"Você é um anjo." Afirmo quando, após entrar no Café, me encaminho para a nossa mesa de sempre. Mathew está sentando, com um sorriso, me encarando de volta e mostrando o banquete que ele comprou para o nosso café da manhã.
"Muitas pessoas me dizem exatamente o contrário. Mas fico feliz em ser seu anjo da guarda exclusivamente." Me sento à sua frente sem realmente escutá-lo, encarando as panquecas, muffins, capuchinho, bolinhos e... arregalo os olhos.
"Como alguém pode te chamar de demônio quando você compra isto!?" Exclamo e mordo uma fatia enorme de bolo de chocolate. Estou prestes a morder de novo quando Matt dá um tapinha na minha mão.
"Vai com calma. Quer morrer de dor de barriga logo cedo?" Ele, infelizmente, arranca o bolo das minhas mãos e coloca em um prato perto de si, seguramente, do outro lado da mesa. Faço uma careta mas obedeço quando ele aponta para a xícara de café à minha frente e bebo um gole, sentindo meu corpo esquentar e ganhar novas energias quase de imediato. Mathew sorri e me encara enquanto me empaturro de comida. Não comi nada desde ontem a tarde, e o vácuo em meu estômago foi sendo preenchido lentamente pela comida que Mathew comprou para mim.
Finalmente parei de comer, fiz uma careta ao sentir enjoo, não sei se foi o fato de ser muita comida, ou por eu ter comido rápido demais. Mathew estava com um sorriso nada angelical quando empurrou o prato de bolo de chocolate que estava a sua frente e o colocou no meio da mesa, me oferecendo. Eu queria puxar o prato para mim, mas meu estômago reclamou, eu não conseguia comer mais nada.
"Não vai comer?" Ele ronronou, ainda com um sorriso malicioso, o encarei com raiva.
"Você é mesmo um demônio." Ele riu, enquanto se deliciava mais devagar do que o necessário com o bolo. Meu olhar caiu na bolsa que estava ao meu lado, por um motivo que eu não soube identificar imediatamente. Seria curiosidade? Minha mão estava quase queimando para pegar a carta e lê-la de uma vez. E eu estava quase fazendo isso, mas Matt me interrompeu ao perguntar;
"Quer me dizer o que aconteceu?" Eu queria. Queria mais do que tudo. Mas ainda não me sentia pronta para jogar meus problemas amorosos na mesa. Literalmente. Senti ânsia de vômito apenas por pensar um pouco nos acontecimentos de ontem.
"Na verdade, eu não sei, Matt." Digo e desvio o olhar. Eu não conseguia, simplesmente não conseguia encarar aquilo de frente. Acho que ainda estava em choque pelo o que presenciei, então era melhor deixar aquilo de lado por enquanto, até eu ter certeza de que queria e tinha forças para lidar com tal coisa.
Matt me lança o mesmo olhar de preocupação e curiosidade que Barry e Jacob me deram mais cedo. Odeio deixá-lo assim, Matt é a pessoa mais animada que conheço, sua felicidade sempre foi contagiante para mim, e prefiro não deixá-lo a par de meus problemas, pelo menos por hoje. Matt abre a boca e quando tenho certeza de que ele não vai deixar o assunto morrer, digo:
"Tenho novas informações sobre o alvo." Ele se cala, como eu sabia que o faria. Matt não consegue resistir à essa conversa, ele fez uma cara irritada para mim; era um golpe baixo, eu sabia disso. Mas era o assunto que ele nunca daria as costas. Com um suspiro resignado, ele pergunta:
"O que descobriu dessa vez?" Sorrio para ele e me levanto.
"O suficiente para passarmos para a próxima missão. Está pronto, soldado Mathew?" Ele me encara, ainda sentado, e dá um suspiro nervoso dessa vez. Mas assente solenemente, ignorando a gota de suor que desce pela sua testa.
"Estou, tenente Olyn." Ele sorri para mim e faz um gesto militar, levando dois dedos à testa e afastando logo em seguida. Faço o mesmo e seguro sua mão, o puxando para longe da mesa.
"Então vamos para a maldita missão!" Exclamo e algumas pessoas nos encaram. Matt estava rindo loucamente quando escancaramos as portas duplas do Café, e o levei pelas ruas cheias de New York.Uma hora depois
"Eu juro, pela sua cabeça, que você será executado se não bater logo nessa maldita porta!" Sibilo exasperada encarando Matt a uma distância segura da porta em que ele está postando à frente a mais de dez minutos.
"É mais difícil do que você pensa!" Ele sibila de volta e limpa a testa suada.
"Qual a dificuldade em bater em uma porta? Se quiser, eu mesma vou aí e bato sua cabeça nela." Matt engole em seco e encara a porta como se ela fosse um monstro devorador de homens. Reviro os olhos e bato o pé, impacientemente, no chão. Matt olha para as orquídeas nas suas mãos pela milésima vez.
"Você tem certeza que essas são as preferidas dela?" Ele pergunta e me encara. Respiro fundo e respondo:
"Absoluta." Digo como se essa não fosse a décima vez que ele fazia essa mesma pergunta. Mathew parecia infinitamente mais corajoso quando saímos do Café. Fomos ao florista mais famoso da cidade quando eu falei a ele que as flores preferidas de Jane eram orquídeas. Ele, por sua vez, ficou demasiadamente animado com a ideia. Compramos as flores e voltamos para nosso apartamento. Eu fiquei admirada com a atitude de Matt até entrarmos no elevador. Ele começou a suar e a bater o pé no chão, depois começou a fazer perguntas totalmentes desnecessárias. E suou mais um pouco.
E agora, o soldado Mathew, estava deixando sua tenente incrivelmente impaciente, principalmente por ficar andando de lá para cá por mais de cinco minutos, tentando se decidir sobre o que iria dizer quando Jane, milagrosamente, abrisse a porta. Me sentei no chão, para Jane abrir a porta ele primeiro teria de bater, mas isso parecia muito difícil para Mathew, naquele momento.
"Se você suar mais, iremos nos afogar." Digo quando ele passa seu lenço pela testa, faço uma careta, o lenço não estava muito seco a essa altura. Matt o enfiou no bolso mesmo assim.
"Estou um pouco ansioso." Ele diz e pigarreia. Esse é maior eufemismo que saiu de sua boca hoje, e Matt fala muitos eufemismos.
"Mathew, quero ir para meu apartamento. Estamos aqui a muito tempo." Resmungo e fecho os olhos.
"Você não pode ir agora! Você é a única coisa que me permite não cair duro e roxo aqui mesmo."
"Que coisa linda de se dizer."
"Por favor, Olyn. Não vai..." Ele me lança um olhar suplicante e o encaro de volta de braços cruzados.
"E deixar meu anjo da guarda?" Sorrio e me levanto. "Sabe do que você precisa?" Ele sorri para mim.
"Mil abraços ou mil beijos?" Me aproximo dele e o abraço.
"Mil abraços." Matt me aperta e faço uma careta.
"Agora você que está fedendo." Rimos juntos e aproveito este momento dele de distração. Matt está de costas para a porta de Jane, estico um de meus braços, bato na porta e corro o mais rápido que consigo. Faço uma curva no corredor e grudo minhas costas na parede, escutando. A porta que eu supunha ser de Jane se abre, e espero Matt falar seja lá diabos o que for que ele vinha treinando até aqui. Mas a única coisa que escuto é um:
"Olá?" Franzo o cenho e estico minha cabeça um pouco para espiar e quase urro de raiva. Jane está lá, no vão de sua porta, olhando para todos os lados com um buquê de orquídeas na mão. Reprimo a vontade de dar um tapa em meu rosto e dou um passo à frente.
"Oi, Jane. Tudo bem?" Pergunto e ando como se estivesse passando por ali, bem na frente da sua porta naquele momento estranho, por acaso. Jane abre um sorriso para mim e me mostra as flores. "Um admirador secreto?" Finjo provocar e ela dá uma risadinha.
"É o que parece. Deve ter batido e corrido. Queria que tivesse ficado." Ela diz encarando as flores na sua mão. "São minhas preferidas." Ela diz e sorrio.
"São, sim." Digo mais alto do que o necessário e completo mais baixo: "Eu preciso ir agora."
"Já? Não quer entrar um pouco? Ah, você gostaria de jantar aqui? Estou fazendo algo especial..." Arregalo os olhos e coloco as mãos na boca em espanto. Não, não era hoje. Não podia ser hoje, eu marquei no meu calendário. Mas eu não olhei meu calendário hoje ao sair de casa. E se fosse hoje?
"Não me diga que é seu aniversário...!" Jane apenas ri.
"Não, sua boba. É apenas um jantar. Quer vir?"
Bom, pelo menos não esqueci uma data especial. É terrível.
"Claro!" Digo animada e logo me arrependo, Matt talvez queira jantar comigo hoje também... Como se lesse meus pensamentos, Jane fala:
"Traga alguém, pode ser quem você quiser." Ela disse, mesmo sabendo que eu iria chamar, obviamente, meu melhor amigo.
"Trarei. Pode deixar." Ela me dá um horário e nos despedimos rapidamente e agradavelmente. Tiro meu sorriso do rosto e vou na direção do corredor oposto de onde fingi minha entrada. Faço uma curva e me deparo com Matt, sentado no chão, com o queixo apoiado no joelho, me esperando pacientemente. Ele me encara de soslaio com um sorriso cauteloso.
"Seu covarde."
"Olhe pelo lado bom, ela acha que eu sou um admirador secreto!"
Reprimo uma careta com a afirmação. Tinha de me concentrar em não estapea-lo.
"Não devia ter corrido, Matt. Mas vamos considerar a missão de hoje um sucesso, de qualquer forma. Temos um jantar mais tarde." Ele se levanta e dá pulos de alegria, o que é estranho para seu tamanho. Mathew passa o braço pelos meus ombros e nos encaminhamos para o elevador.
"Você tem que me ajudar a decidir o que vestir." Ele diz e reviro os olhos.
"Oh, pelo amor de Deus. Como eu posso te ajudar nisso, Mathew!?" Ele dá de ombros e me encara meio de lado.
"Você é uma mulher." Diz, como se essa afirmação já bastasse para todas as perguntas do mundo.
"Descobriu isso sozinho?"
"Não." Ele diz, bem humorado, ignorando meu sarcasmo. "Descobri quando você jogou aquele absorvente ensopado de tinta em mim..." Tapei sua boca com a minha mão, de olhos arregalados.
"Você me prometeu que nunca iria falar sobre isso. Eu estava bêbada e zangada." Ele se desvenciou da minha mão, com um sorriso petulante nos lábios.
"E minha mãe me prometeu que eu nunca iria ser atingido por um absorvente com tinta. O mundo não é justo." Sem querer, comecei a rir.
"Sua mãe nunca disse isso."
"Touché." Entramos no elevador e, antes que as portas se fechassem e antes que eu desferisse um tapa estalado na cara de Mathew, ele disse: "E não se iluda achando que me enganou; nem tinta podre tem aquele cheiro."Uma hora depois
Se qualquer um, um dia, me dizer que mulheres demoram demasiadamente para se arrumar, eu vou dar um tapa na cara do sujeito e falar que meu melhor amigo demorou uma hora inteira apenas para escolher um roupa para uma noite. E o jantar só seria daqui a duas horas!
Deixei o soldado suado em seu apartamento assim que ele disse que iria tomar banho, ou seja; só sairia depois de mais uma hora. O apartamento de Matt é, graças à Deus, bem em frente ao meu. Mas nunca desejei que fosse mais longe quando vi quem estava na minha porta, de costas para mim, me esperando; pois, se fosse mais longe, eu poderia dar meia volta e correr, mas entrei no campo de visão da pessoa antes que eu pudesse sequer cogitar fugir para o Alasca. Engoli em seco e fiz a voz mais fria que consegui, ao dizer:
"O que você quer?" Um par de olhos azuis se virou para mim e senti uma vontade avassaladora de gritar de raiva, mas me controlei melhor do que eu imaginava ser possível.
"Olá, Olyn." Clarissa Aguines, que até ontem era minha melhor amiga, disse, com um sorrisinho, como se nada tivesse acontecido e essa fosse uma das suas típicas visitas vespertinas. Cruzo os braços contra o peito, não confio neles perto demais do cabelo perfeito de Clarissa que parece implorar para ser arrancado. Ou até sua pele com sardas que me suplicam para serem arranhadas.
Ficamos em um silêncio pesado e constrangedor, não me movi. Nem ela.
"Achei que estava no trabalho." Ela diz, lançando um olhar para algo em minhas costas, a porta de Matt. A encarei, indiferentemente, e disse em uma voz ainda mais distante:
"Estou de folga por dois dias. Não que seja da sua conta." Ela engole em seco e respiro fundo. "Saia da frente da minha porta, Clarissa." Ela olha para o chão.
"Você nunca me chamou de Clarissa."
"É verdade. Mas isso era na época em que eu não te considerava uma vadia." Ela me encara e não consigo controlar o revirar de olhos quando vejo lágrimas em suas bochechas.
"Não fale isso. Não me chame assim."
"Saia da minha frente." Digo e a empurro, tiro minhas chaves do meu bolso rapidamente, só querendo ficar longe dela.
"Olyn, por favor..."
"Tire essas suas mãos de mim." Digo e ela dá um passo para trás. Nunca usei aquele tom gélido com ela, afiado como uma faca, pronto para ferir quem eu quisesse. "Não quero ouvir mais nada."
"Por favor..." Ela chora. "Me deixe explicar..." Abro a porta com força e aponto para o sofá no meio da minha sala, ela me encara devastada. Que seja.
"Tire isso daqui." Falo e ela treme. "Tire isso daqui, juntamente com esse seu traseiro traidor, do meu apartamento."
"Eu não consigo fazer isso sozinha, Olyn."
Apenas rio, sem humor, na cara dela.
"Dê o seu jeito. Pelo visto também não conseguiu abrir as pernas sozinha e pediu para meu namorado fazer o favor." Meu ex. Ele é meu ex agora. Clarissa nega fortemente com a cabeça, e me seguro para não avançar nela e no seu rosto traidor. "Saia daqui, e tire isso agora!" Grito e ela se encolhe ainda mais. Dou as costas para ela e entro no banheiro, esperando que eu pare de tremer. Respiro fundo e engulo o choro que se formou, aos poucos, em minha garganta. Tiro as roupas e sinto o rosto quente. Ligo o chuveiro, e espero que o peso em meu corpo saia com a corrente de água pelo ralo.
Quando finalmente saí do banheiro, com uma toalha apertada em meu corpo, encarei o vazio que se fez no meio da sala, sem o meu sofá odioso. E não consegui, mesmo fazendo esforço, não compará-lo ao vazio que sentia em meu peito naquele momento.
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Cartas Para Alex : O Litoral Do Sol Poente
RomanceO que você faria se recebesse uma carta anônima de amor que sequer deveria ter chegado à você? Foi uma pergunta que Carolyn Darcy fez para si mesma quando se deparou com uma carta de um escritor romântico apaixonado, afastado de sua amada pelo tempo...