Capítulo XVIII

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Eu não desmaiei.” Matt disse, pelo que pareceu ser a milésima vez, no banco do caminhão, atrás de mim. A essa hora eu sequer prestava mais atenção nele.
“Você não desmaiou.” Digo, automaticamente e distante, enquanto olhava para a chuva que ainda caia fortemente lá fora.
“Porque eu sou forte.” Ele disse.
“Porque você é forte.”
“E uma pessoa controlada.”
“E uma pessoa controlada.”
“Um ser humano admirável.”
“Um ser humano admirável.”
“E porque sou gay.”
“E porque você é... o quê!?” Exclamei ao virar
bruscamente a cabeça para encarar Matt.
“Eu sabia!” Ele falou e apontou o dedo na minha cara. “Você nem estava me ouvindo!”
“Desde quando você é gay…!?”
“Eu não sou gay.”
“Por quê não me contou…?”
“Olyn, eu não sou gay.”
“Eu achei que era sua melhor amiga e…”
“Carolyn James, eu não sou gay!” Ele gritou e sai de meu torpor. Me emperdiguei ao encará-lo com raiva.
“Seu desgraçado, você me assustou!”
“Você não me escutava!”
“E vocês dois são inacreditáveis!” Sam exclamou, subitamente, ao lado de Matt.
Pelo que parecia, Matt estava naqueles dias, e, ao encarar Sam, colocou as mãos no quadril e lhe digiriu um semblante raivoso.
“Olhe como você fala com os mais velhos, garotinho.”
“Do quê você me chamou?” Sam perguntou baixinho com um olhar assassino nos olhos.
“Parem, vocês dois!” Eu disse e ambos me encararam. Respirei fundo e reencostei minha costa bo banco do carona. “Nós quase morremos agora a pouco, não façam ser em vão se matando.”
“Verídico.” Matt disse e vi pelo retrovisor ele estender a mão para Sam. O pequeno, por sua vez, não descruzou os braços.
“Não ouvi um pedido de desculpas.”
Matt jogou as mãos para o ar como se clamasse por uma ajuda divina.
“Pelo amor de Deus, desculpas pelo quê?”
Nesse mesmo momento, a porta do banco do carro do motorista foi aberta e demos de cara com a pessoa que quase causou nossas mortes a alguns minutos atrás, aparentando estar exausta e com o que Sam gostava de dizer, a maior aura de culpa. Ela pegou impulso e se sentou no banco, ao meu lado, e na frente de Matt. Um silêncio se fez naquele espaço entre nós, e só podíamos ouvir o barulho da chuva violenta do lado de fora.
Quando eu estava prestes a falar alguma coisa, Matt e a mulher disseram, ao mesmo tempo:
“Eu gostaria…”
“Eu gostaria…”
“Pode falar.”
“Pode falar.”
“Não, você primeiro.”
“Não, você primeiro.”
“Eu insisto.”
“Eu insito.”
Ficamos em silêncio e pisquei algumas vezes, pensando no que dizer ou fazer, e, naquele momento, a ideia de pular do caminhão e sair gritando no meio da chuva me parecia mais atraente e agradável do que aquele constrangimento. Olhei para Sam, ele parecia tão sem jeito quanto eu. Matt, graças à Deus, pigarreou e disse:
“Por favor, primeiro as damas.”
Quase ri e bati palmas; Matt sabia ser cavalheiro quando bem o convinha. A mulher loira deu um meio sorriso antes de dizer:
“Acho que eu deveria começar com um pedido de desculpas.”  Disse, quase timidamente, e não nos encarou diretamente.
“Você acha?” Sam disse, sarcástico. Tenho vontade de repreendê-lo, mas ele tem razão. Além de ter batido no nosso carro no meio da chuva, ela quase nos atropelara, e isso não era uma coisa tão simples como estávamos querendo fingir que era, naquele momento.
Aparentemente, se tratou de um terrível acidente de sua parte. Quando a mulher saiu do caminhão e correu até nós, nos fez entrar no carro às pressas… bom, pelo menos o fez antes de Matt cair no chão quase desmaiando. Dei uma olhada nele, tirando a roupa molhada e a palidez, ele estava ótimo, assim como o resto de nós. Matt não falou nada, mas eu supunha que seu mal estar fora causado por todo o cenário do acidente; até eu quase desmaiara de certa forma, do jeito que meus joelhos tremiam, eu não duvidava que iria fazê-lo a qualquer minuto. Mas, quando vi Matt caindo, minhas forças foram recuperadas em questão de um segundo.
E agora, lá estávamos nós, esperando a mulher explicar tudo, depois da inspeção que ela resolveu fazer em nosso carro destruído.
“Eu sinto muito pelo carro. ” Ela começou, me tirando de minhas lembranças de alguns minutos atrás. “Ele está totalmente destruído e…”
“Não se preocupe com o carro. Acredite, ele é o de menos.”  A interrompi com a voz cheia de sinceridade. Ela pareceu surpresa. Apenas inclinei minha cabeça para o lado, Melissa já sugerira comprar outro carro, não é mesmo; sem contar que aquele estava a alguns dias de, enfim, explodir ou arrancar alguma cabeça. “Mas talvez nós queiramos uma explicação sobre o quase atropelamento.”
Ela pareceu estar mais nauseada do que qualquer coisa, e com vergonha do que acabara de acontecer. Olhei ao redor do carro, buscando sinais dos possíveis causadores do acidente; não achei sinais de cigarros ou de qualquer tipo de bebida alcoólica e, tirando o nervosismo, ela parecia totalmente lúcida.
“É claro.” Ela disse e esfregou as mãos, eu não soube identificar se o gesto foi devido ao frio ou a óbvia ansiedade. Ela correu os olhos pelo nosso grupo e seu olhar repousou em mim, antes de dizer: “Eu tenho ceraunofobia.”
Fiquei encarando ela e depois olhei para Matt e Sam, eles pareciam tão confusos quanto eu.
“Pode traduzir?” Pergunto, depois, ao encará-la.
“Ah, desculpe...” Ela meneou a mão, parecendo, novamente,  envergonhada. “Às vezes eu me esqueço que existem pessoas além de minha família que não sabem o que é isso
Bom, ceraunofobia é um transtorno mental que consiste em, basicamente, medo de raios.”
“Medo de raios?”
“Pavor, na verdade. Geralmente é fobia à raios ou outras cargas elétricas, mas eu fui abençoada apenas com o medo de raios.”
Todos nós ficamos em silêncio, relembrando os acontecimentos que sua ceraunofobia "milagrosa" causara.
“Bom, talvez nem tanta sorte.” Ela disse e olhou para as mãos, parecia querer evitar nossos olhares a todo custo.
“Nós desculpamos você.” Digo, momentos depois, e recebo um olhar horrorizado de sua parte. “Não erperava que iríamos querer jogá-la na fogueira, achava?”
“Mas eu quase matei vocês!” Ela exclamou de olhos arregalados e reprimi uma risada.
“Certamente.” Matt disse com um sorrisinho. “Mas não matou. Caso nos matasse, poderíamos voltar para te assombrar, como bons espíritos. Mas não aconteceu. E não pode se culpar por uma coisa que você não controla, de qualquer forma.”
A essa altura ela nos encarava como se fôssemos anjos misericordiosos vindos direto do paraíso.
“Eu nem sei o que dizer. Mas, por favor, aceitem as minhas mais sinceras desculpas.” Ela disse baixinho em reposta para nós. Eu e Matt assentimos, o que fez ela abrir o primeiro sorriso desde que a vimos. Olhei para Matt, de cenho franzido, que pareceu ter se engasgado, ele arrancou o saquinho de salgadinhos que Sam estava comendo e apontou para o mesmo.
“Farelos…” Ele falou com as voz rouca. Sam tomou o saco de volta para si, encabulado.
O olhar da mulher caiu em Sam e o encaramos também.
“E você? Me perdoa?” Ela perguntou em sua direção, com um sorriso.
“Como você se chama?” Sam perguntou, solene.
“Ah. Me chamo Sidney.” Ela disse e olhou para todos nós. Eu e Matt nos apresentamos rapidamente.
“E eu sou o Samuel.” Sam diz e a encarou com intensidade.
“Muito prazer, Samuel.” Sidney disse e ele, por sua vez, apenas a encarou com uma sobrancelha arqueada.
“Muito prazer, Sidney!” Matt disse, de repente, e quase forçou Sidney a fazer um aperto de mão. Fiz o mesmo, e ela não teve outra alternativa a não ser fazer o mesmo com Sam. O menino deu um largo sorriso para ela e voltou sua atenção para os salgadinhos.
“Pode me chamar de Sam, Sidney.” Disse e começou a comer. Sidney deu um sorriso contido e alternou o olhar entre mim e Matt. Meu melhor amigo sorriu e eu inclinei a cabeça.
“Parabéns.” Digo. “Você acabou de passar na prova de Sam.”
E percebi que, pelo olhar que Matt dirigia à ela, Sidney havia passado em sua prova pessoal também.

Cartas Para Alex : O Litoral Do Sol PoenteOnde histórias criam vida. Descubra agora