"Você provavelmente acha que este mundo é um sonho bonito, mas você está errada." — Coraline e o Mundo Secreto
Caio era meu melhor amigo, talvez o único. Ele ria das minhas roupas e dizia que minha comida era ruim (o que não é mentira). Eu o amava e sinto falta dele. Contudo, lembrar me faz pensar que talvez eu o tenha matado, por isso quando abro a porta da minha casa decido que não vou pensar nele esta noite.
No momento em que entro e fecho a porta atrás de mim, a luz da sala é acesa. Ponho a mão em meu rosto até me acostumar com a claridade e suspiro quando vejo minha mãe parada no meio da sala, com as mãos na cintura. Sua expressão não é das boas.
— Onde estava? — pergunta, sua voz sai em um tom severo e acusatório.
— Eu só precisava de um ar...
— Ar!? — exclama. — Tem um assassino solto por aí e você vai tomar um ar à noite, sem ao menos me avisar?
— Até onde toda a cidade sabe, o assassino pode muito bem ser eu. E já faz muito tempo.
— Não diga besteiras, Drisa. — Minha mãe mantém seu tom severo. — Não importa quanto tempo passe, um assassino é sempre um assassino. E este está livre, em algum lugar dessa cidade, rindo da incompetência da polícia e da ingenuidade desses cidadãos...
Dou de ombros.
— Tanto faz. — Dou um passo à frente e acabo tropeçando em uma cadeira, isso faz minha mãe se aproximar com desconfiança. Passeia o nariz ao redor do meu corpo, fazendo-me revirar os olhos.
— Diz alguma coisa! — Ela aproxima-se da minha boca, esperando encontrar cheiro de sabe lá Deus o quê.
— Isso é ridículo! — grito, sem esconder o quanto estou ofendida.
— Ridículo é você me dá tanta preocupação ao ponto de eu precisar fazer isso.
— Você é patética, Paula! — Passo por ela e vou em direção ao quarto.
— Drisa, volta aqui!
Ela vem atrás de mim, fecho a porta e ponho os fones no ouvido para abafar seus gritos. Ela abre a porta e a fecha atrás de si com um estrondo. A essa altura meus irmãos já acordaram e estão se encolhendo no canto da grande cama de casal, onde os três dormem juntos no quarto ao lado. As brigas entre eu e minha mãe são comuns e frequentes.
Paula vem até mim e arranca os fones de meus ouvidos, levanta a mão, então fecho os olhos, esperando o tapa. No entanto não sinto nada, abro os olhos e minha mãe está chorando com as mãos no rosto.
— Eu juro que não sei mais o que fazer. Eu não consigo fazer isso. Por que ele me deixou pra cuidar disso sozinha?
Não questiono, sei que ela está falando do meu pai. E de mim. Quero que ela pare de chorar, quero que saia do quarto para eu deixar as minhas próprias lágrimas rolarem por meu rosto, mas a mulher continua chorando, se ajoelha no chão e soluça. Tento me recordar de como chegamos a isso, eu só entrei e por uma bobagem começamos a discutir. O que eu deveria ter falado para evitar isso?
— Mamãe, por favor pare. Está tudo bem, eu cheguei. — Quero dizer "me desculpe por ser uma péssima filha, eu vou ficar bem, só pare de chorar", mas digo: — Vamos esquecer isso.
— Onde estava? — O olhar da mulher é preocupado por trás das lágrimas, ela realmente não quer esquecer.
Eu fui ver um cara que acabei de conhecer, entrei na casa dele e ele fechou a porta. A casa é esquisita e eu não sei o que ele poderia ter feito comigo, mas eu precisava de respostas então mesmo se eu soubesse que ele me mataria, ainda assim eu teria ido lá.
Respiro fundo.
— Em lugar nenhum, já disse.
— Drisa, só quero o seu bem. Sei que não entende, que se irrita... Mas só quero o seu bem.
— Eu sei. — Seguro a mão de minha mãe. — Estou cansada agora, estou bem, não precisa se preocupar. Só quero dormir, amanhã tenho aula.
Minha mãe não diz mais nada, apenas se levanta devagar e sai do quarto sem ao menos um beijo de boa noite, ela está chateada. Suspiro e fecho a porta do quarto. Tiro minhas roupas e visto um pijama florido no lugar. Não quero tomar banho novamente e quando estou prestes a adormecer me pergunto o que Caleb acharia disso.
Sonho com braços e pernas espalhados por uma grama antes verde e bem cuidada, agora vermelha e ensopada de sangue. Uma risada macabra soa em meio ao cenário de horror e olhos castanhos avermelhados me observam calmamente, fazendo meu coração pulsar mais rápido que o normal.
Acordo bem a tempo de ouvir o despertador tocando, anunciando que mais um dia acaba de começar.
📖📖📖
Minha mãe fez questão de me trazer até a escola. Deu bom dia para todos os funcionários da escola distribuindo sorrisos para ambos os lados, contudo assim que entramos no corredor em direção a sala da diretora sua expressão voltou a ser dura e séria, me olhou algumas vezes de cara amarrada então abriu a porta depois de ouvir um "entre" baixo.
Caleb está de pé ao lado da diretora, e sorrir para minha mãe que ao ter o olhar do rapaz sobre nós duas fica tensa e segura minha mão com força de maneira protetora, mas forte o bastante para machucar. Direciono meus olhos para ela, porém ela ignora, ainda segurando minha mão.
— Bom dia — a diretora, uma mulher baixa de cabelo curto diz.
Minha mãe responde ao cumprimento da mulher, no entanto seus olhos continuam em Caleb, como se estivesse com medo do que ele pudesse fazer longe do alcance de seu olhar.
— Drisa, que bom vê-la aqui — diz a diretora, abrindo uma gaveta. — O jovem Caleb encontrou sua câmera na biblioteca esta manhã, tente tomar mais cuidado com suas coisas.
Minha mãe finalmente tira seus olhos do rapaz e franze a testa olhando para mim desta vez. Sei o que ela está pensando. Chamei-a até à escola para comunicar a direção que eu não poderia mais participar das atividades extras porque minha câmera quebrara, que ela não tinha como comprar outra agora e tantos outros motivos relacionados.
Queria poder dizer a alguém o que aconteceu e que Caleb encontrar a minha câmera não faz sentido nenhum, contudo mantenho minha boca fechada. Eu poderia facilmente ser trancada no hospital psiquiátrico novamente se dissesse em voz alta as coisas que não consigo explicar nem para mim mesma.
Olho para Caleb, ele sorrir para mim como se soubesse de algo do qual eu não sei. Quando a diretora tira um objeto coberto por um saco plástico de dentro da gaveta me vejo prendendo a respiração.
Meus dedos tremem quando solto a mão de minha mãe e estendo as minhas próprias para pegar o objeto. O rosto da mulher em minha frente expressa desinteresse, como se entregasse objetos perdidos para alunos irresponsáveis com frequência. O rosto da minha mãe ainda expressa aborrecimento e algo mais que não consigo identificar, e Caleb ainda sorrir com os braços cruzados e o corpo encostado na parede.
Quando ponho minhas mãos no objeto, o plástico que o cobre faz um barulho alto e ruidoso no silêncio da sala. Não é pesado. Desembrulho o material e finalmente me permito respirar normalmente. Não é minha câmera. Olho para Caleb, o sorriso dele não se desfaz.
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Caleb - Não olhe. Não grite. Não corra.
HorrorNão olhe. Não grite. Não corra. O mal está à espreita. Drisa Torres nunca foi uma das melhores alunas da escola, nem tampouco uma das garotas mais bonitas de sua idade. Extremamente arrogante e de poucos amigos, a garota vive uma vida totalm...