3. Romeu e Julieta.

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10.05.2020

Está de noite, e a luz dos poucos carros que passam na avenida mais abaixo é o que ilumina o apartamento, os fones no meu ouvido fazem um ruído baixo e quase não entendo o que é cantado, a melodia suave é a trilha sonora dessa noite.

O gato branco repousa na ponta do colchão e me seguro para não alisá-lo e acordá-lo sem querer, sua respiração parece entrar em sincronia com as batidas da música no fone. Mais atrás de seu corpo branco e peludo posso ver uma caixa, a caixa, quase invisível devido a pouca luz.

Ela é uma caixa velha de sapato com o papelão já abatido e carrega consigo manchas de esmalte por algumas de suas laterais. O jeito que ela repousa pela estante parece tão indiferente que quase me esqueço do que ela carrega.

Após lutar comigo mesma e os inúmeros pensamentos que me avisam para não pegá-la, decido pegar. Posso correr o risco de lembrar de todos seus detalhes uma outra vez, desde que eu possa ver seu sorriso novamente, e sentir seu cheiro nos pertences que foram deixados, assim, quase posso senti-lo ao meu lado, sua postura esguia e suas características inesquecíveis por qualquer um que o veja.

Ela carrega uma camada fina de poeira que entrega o quanto eu tenho a evitado. Abri-la é como sentir tudo novamente, seu cheiro e toque, posso até escutar sua risada e o jeito que pronuncia meu nome com seu sotaque de Busan, o sotaque de um garoto do mundo com cheiro de mar salgado e cereja. Algumas fotografias se misturam e se tornam incógnitas, no fundo da caixa vejo um papel amarelado e seco, é a carta que ele me deixou no dia que se foi, assinada como Romeu.

Paisagens são vistas nas polaroids pouco desgastadas, todos os lugares que ele me levou. O mar, era um dia ensolarado e eu ainda estava em êxtase com a presença do rapaz ao meu lado, somente eu e ele naquele dia, lembro-me dos respingos que as ondas faziam e, encontrando-se com o sol, podia-se até ver um arco-íris, seu cabelo molhado depois que entrou na água, e a luz do sol na sua pele clara e pálida. Entregando que Jungkook era da noite e não do dia.

A próxima, quando ele me chamou para dar uma volta de carro, o carro emprestado que naquele dia foi só nosso. As fotos de um pôr do sol. Lembro-me dele parar abruptamente o carro no meio da estrada e sair do mesmo com sua câmera, quando eu saí também ele insistiu para que eu posasse para ele e assim fiz, ele nunca me mostrou essas fotos, mas a que eu tenho é ele, em pé no carro com só uma mão lhe segurando e um céu atrás de si, mal sabia ele que a maior beleza daquela foto era ele mesmo, com os braços abertos, livre.

A foto de uma praça escura se torna visível aos meus olhos, apenas iluminada pelos postes brancos e, claro, o sorriso do rapaz.

Os dentes não-perfeitamente alinhados, os olhos semi-abertos, e uma postura descontraída, a boca milimetricamente desenhada gargalhando. Consigo lembrar até de seu motivo e de como ela soou naquela noite, sorrio também.

Sua mensagem na ponta da foto ainda me deixa desestruturada, me esqueço de como me faz sentir sua falta, e por isso continuo olhando-a, a caligrafia de um aluno desajeitado e difícil de lidar. Se ao menos tentassem entendê-lo, veriam que ele é inteligente, mas também é muito mais do que isso. Ele sempre foi muito mais do que as pessoas esperavam ou sabiam lidar.

"Você é uma boa fotógrafa, Julieta.

Mas é ainda melhor como minha modelo.

— Romeu"

Sorrio pelo apelido bobo que ele me deu, de um romance que eu ao menos li, mas que ele falava com tanta convicção, propriedade e certeza que me fazia questionar se eu não era de fato a Julieta. Eu pelo menos sabia que ele era meu Romeu. Recordo-me do dia que isso tudo começou.

SAY YES TO HEAVEN || 🄹🄹🄺Onde histórias criam vida. Descubra agora