Capítulo 1

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A carta

Morar em uma cidade pequena deve ter suas vantagens mas, para mim, as desvantagens sempre se ressaltaram. Todos se conhecem e, como consequência, havia diversos boatos sem sentido que as pessoas gostavam de acreditar. Assim, a opinião delas sobre alguém costumava ser bastante unificada. 

Isso nunca foi um problema para os meus pais, que são muito queridos aqui, entretanto eu sou a exceção. Desde quando eu consigo me recordar, nenhuma das crianças gostava de ficar perto de mim, era como se eu fosse de outro planeta. E, como se não bastasse, faziam questão de me diminuir em todos os aspectos, não importava o que eu fazia.

Lauren, minha mãe, tentava me tranquilizar dizendo que era apenas uma fase e logo eles deixariam de ser assim comigo. Porém, o que ela não esperava era me encontrar em mais um aniversário sozinha. Foram exatos 16 anos da mesma forma, que me fizeram, gradualmente, acostumar com tal situação. No fundo eu sabia estava fadada a isso.

Com o passar do tempo, eu apenas me acostumei com a ideia e até mesmo encarava como se essa data fosse apenas mais um dia normal.  Nos primeiros anos, meu pai, Josh, estava disposto a fazer o que fosse necessário para que o meu dia se tornasse menos solitário, incluindo até mesmo implorar para seus amigos trazerem os filhos em troca de sobremesas deliciosas, mas não adiantou, ninguém vinha.

Dessa forma, o dia consistia em comer um bolo, que eu nem fazia mais questão de escolher, sendo assim sempre um clássico de chocolate. Ademais, eu preferia me abster dos clichês hábitos para esse dia, então não cantávamos "parabéns" e eu nem ganhava presente, tornando o resto do dia como qualquer outro: eu sozinha no meu quarto tentando me interessar por algum programa de televisão qualquer enquanto a minha gata, Margot, me fazia companhia.

O dia de hoje não seria diferente. Porém, logo que eu acordei, descobri que haveria uma festa com as pessoas da minha escola e, mais uma vez, eu não havia sido convidada. Para a minha família, eu tentava mostrar que isso não me abalava, mas, no fundo, mesmo que eu tentasse negar, eu sentia. Isso fez com que eu decidisse ficar no meu quarto por mais um tempo, abraçada com Margot, enquanto eu tentava processar tudo o que tinha acontecido, ou deixado de acontecer, nos últimos anos.

No fundo eu só queria ter amigos, igual dos livros, que fossem uma segunda família e estivessem dispostos a se divertir comigo, até nos piores nisso. Só de pensar que eu nunca teria isso as lágrimas começaram a escorrer involuntariamente do meu rosto e, cada vez mais, elas se intensificavam. Comecei a ouvir uma grande ventania do lado de fora, como se as árvores tentassem invadir a minha janela para me fazer companhia. Não me importei. A solidão que eu sentia dentro de mim era maior do que qualquer distração e não me permitia pensar em outra coisa. 

A medida que as lágrimas caiam, o vento se intensificava, fazendo com que a porta do meu banheiro batesse com força, me deixando assustada. Minha mãe entrou rapidamente no meu quarto, sabendo que quando esse tipo de coisa acontecia era porque eu estava triste, já que não era comum ter ventos tão fortes nessa época do ano. Não sei exatamente quando isso começou a acontecer, mas desde criança era possível relacionar esses eventos naturais com o meu estado emocional. Dessa forma, por não ter nenhuma explicação clara, eu escolhi encarar como uma forma da natureza mostrar que era minha amiga, tentando a todo custo mostrar que eu não estava sozinha.

Notei que os olhos castanhos escuros da mulher parada na porta tinham pousado sobre mim. Como uma forma automática de autodefesa da minha vulnerabilidade, tentei fingir que estava tudo bem, enquanto limpava o resto das lágrimas que escorriam pelo meu rosto pálido. Ela desviou seu olhar para a janela, notando que as árvores haviam cessado seus movimentos e agora se comportavam tal qual estavam acostumadas na primavera.

𝘿𝙖𝙣𝙜𝙚𝙧𝙤𝙪𝙨 | 𝕯𝖗𝖆𝖈𝖔 𝕸𝖆𝖑𝖋𝖔𝖞 🔥 [+18]Onde histórias criam vida. Descubra agora