A partir da noite do baile, a vida em casa de Maria Helena começou a modificar-se. Nos serões das terças-feiras, Maria Lúcia interessou-se pelos jogos de salão e pelas danças. Contudo, insistia na presença de Luciana para dar-lhe coragem. Maria Helena, a pedido da filha, convidara-a e Luciana aceitara desejosa de consolidar a mudança de Maria Lúcia. Queria que ela se sentisse mais segura e depois, poderia afastar-se sem problemas.
A moça entusiasmara-se com o sucesso e desejava aceitar todos os convites para festas. Maria Helena aprovava feliz, percebendo o olhar surpreendido dos amigos e conhecidos, diante das mudanças de Maria Lúcia. Se antes desejava esconder a filha, agora, exibia-a satisfeita. Percebendo que a filha só saia com Luciana, convidava a moça para acompanhá-la.
Assim, Luciana passou a tornar-se assídua e até de certa forma indispensável. E onde elas estavam, Jarbas e Ulisses apareciam infalivelmente. Maria Helena estava contente. Casar a filha parecera-lhe um sonho quase impossível, agora tudo estava diferente.
Por outro lado, preocupava-a João Henrique que insistia em manter o noivado. Uma noite, trouxera Antonieta ao serão e pedira-lhe para tocar. Fora preciso muito controle para fazê-lo. Notara o olhar de admiração. dos homens e alguma contrariedade nas mulheres. João Henrique a apresentou como noiva, e Maria Helena sabia que os comentários seriam inevitáveis.
José Luiz, adivinhando a contrariedade da esposa, desdobrou-se em gentilezas com todos, temeroso de que Maria Helena não conseguisse conter-se. Fingiu não perceber o interesse dos homens e o ciúme das mulheres.
João Henrique estava feliz. Cercava Antonieta de atenções, fitava-a com adoração. Maria Helena concentrou-se na execução, empenhando-se para dominar a irritação. Algumas senhoras a fitavam com ar de reprovação.
— Querem ver como eu reajo, pensou ela com raiva. Perdem seu tempo. Não lhes darei o gosto de fazer um escândalo.
Para alívio de José Luiz, Maria Helena tocou com o brilhantismo de sempre. Quando terminou, ele aproximou-se dela oferecendo-lhe o braço.
— Foi uma bela execução — disse com um sorriso. — Posso oferecer-lhe uma taça de champanhe?
— Obrigada, — respondeu ela, passando o braço no dele.
Dirigiram-se à mesa onde José Luiz apanhou duas taças encheu-as e tomando uma ofereceu-a à esposa.
— Beba que lhe fará bem — disse baixinho.
Ela obedeceu enquanto ele por sua vez levava a outra aos lábios.
João Henrique aproximou-se trazendo Antonieta:
— Mamãe, Antonieta deseja cumprimentá-la pela brilhante execução.
— É verdade — disse ela — a senhora é uma virtuose.
Maria Helena conseguiu sorrir.
— Obrigada — disse.
Havia um brilho malicioso nos olhos de Antonieta, ou havia sido impressão? José Luiz interveio com delicadeza, tentando entabular uma conversação, falando de assuntos amenos.
Antonieta respondeu educadamente, e João Henrique satisfeito com a atitude do pai, procurou participar. Só Maria Helena mantinha-se silenciosa. Não lhe agradava a postura desabrida daquela mulher, que parecia olhá-los com a condescendência de uma rainha aos seus vassalos. E o mais submisso deles era João Henrique. Tão orgulhoso, tão sério. Como se deixara apanhar assim?
Quando os dois se afastaram, José Luiz disse baixinho:
— Controle-se. Não dê a perceber o quanto está contrariada com esse noivado.
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QUANDO A VIDA ESCOLHE - Zibia Gasparetto
Roman d'amourO homem acredita numa grande ilusão: que a vida seja algo separado dele, mas a realidade mostra que cada um é a própria vida se tornando gente. Portanto, quando você escolhe é a vida escolhendo em você. A vida jamais erra. Assim seja qual for a deci...