Capítulo 2

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Sentada ao piano, Maria Helena percorria as teclas com os dedos ágeis, arrancando sons harmoniosos do instrumento que enchiam o ar da bela sala de estar. Sentia o coração apertado por um sentimento opressivo e sem remédio, que a enchia de desalento e tristeza.

Nesses momentos, recorria à música, procurando extravasar com ela, suas emoções recalcadas e escondidas sob o verniz das conveniências.

Sentia-se muito só. Casara-se por amor. José Luís representara para ela sua própria razão de viver. Seu riso franco e gentil, seus olhos verdes e emotivos, seus beijos quentes e delicados, sua elegância natural, seu porte altivo e seu jeito encantador haviam-na conquistado desdo o primeiro dia.

Educada de forma rígida e muito disciplinar, procurava ocultar seus sentimentos como se fosse vergonhoso amar ou desejar ser amada. Mas ele a cortejara, e ela se sentira imensamente feliz. Casar-se com ele era tudo quanto podia aspirar. Foi com o coração cantando de alegria que deu o "sim" no dia do casamento e seus olhos encheram-se de lágrimas emocionadas de felicidade.

A gentileza, as atenções, a delicadeza do marido tornaram-na mais feliz ainda, e Maria Helena deixara-se embalar nas asas do sonho, julgando haver conquistado o paraíso na Terra.

Aos poucos, entretanto, foi percebendo que o marido não demonstrava o mesmo interesse dos primeiros dias. Era natural, pensara ela. Ouvira contar, por pessoas mais velhas e experientes, que no casamento, com o correr do tempo, a paixão inicial cede lugar à amizade bem-comportada em que o amor acomoda-se no cotidiano, amadurecendo. Mas sua percepção de mulher apaixonada foi fazendo-a notar que, sob as atenções de homem educado, não havia o calor de que tanto gostaria.

Quando José Luís se aproximava, Maria Helena sentia-se estremecer. Seu coração batia mais forte, desejosa de que ele a abraçasse e beijasse. Tremia ao pensar nisso, sentia uma onda de calor envolver seu corpo, porém, dominava-se, lutando contra a emoção, buscando não demonstrar o que lhe ia na alma, por perceber que José Luís permanecia indiferente, parecendo não sentir emoção alguma com sua proximidade.

A mulher deve ser passiva, pensava ela. Deus nos livre que José Luís viesse a perceber sua paixão escondida, seu amor descontrolado. Seria humilhante, indigno.

Ela continuava aparentando indiferente, mas esperando que ele demonstrasse seu amor, para poder aceitar seus carinhos, apesar de lutar para não aparentar ser uma mulher venal e loucamente apaixonada.

Aos poucos, Maria Helena foi vendo José Luís distanciar-se dela, que engolia sua decepção, seu sofrimento, sufocava seus anseios e procurava mostrar-se indiferente. Apesar de conseguir controlar-se, seu coração aguardava com verdadeira ansiedade os dias em que José Luís buscava seu quarto. Nessas ocasiões, tentava iludir-se, sentindo seus beijos e seus carinhos, pensando que ele a amava e que essa era a forma de se amar no casamento. Procurava convencer-se de que deveria contentar-se com isso e deixar as ilusões de lado.

José Luís era formal e não a deixava participar de sua vida mais intimista. Muitas vezes, surpreendera-o com olhos perdidos na distância, ar tristonho e rosto contraído. Ela sentia que o marido sofria, desconfiava que ele tivesse um problema, mas, como ele nunca se abria, ela não dizia nada. Além disso, sempre que desejava chegar-se mais a ele, tentar mais intimidade, José Luís esquivava-se educadamente.

Maria Helena sentira, pouco a pouco, aumentar a barreira que havia entre eles, e não sabia como modificar essa situação. Compreendeu, por fim, que o marido não a amava. Quando teria deixado de amá-la? Não sabia. Temia perguntar-se se ele a teria amado algum dia. Preferia acreditar que ele, em razão dos desejos satisfeitos, acomodara-se no casamento, como muitos casais que conhecia, restando apenas a convivência educada e natural da tolerância mútua.

QUANDO A VIDA ESCOLHE - Zibia GasparettoOnde histórias criam vida. Descubra agora