Maria Helena acordou feliz no dia seguinte. Por que demorara tanto a demonstrar ao marido seu amor? Por causa do seu orgulho, por tantos anos sofrera amargando o ciúme e a angústia. Como fora tola! Felizmente havia mudado. Rompera a barreira do preconceito e descobrira que, ao contrário do que havia temido, o marido correspondera a seu amor, com ardor inesperado.
Aquela noite juntos fora maravilhosa. Seu coração batia descompassado só em lembrar-se dos seus arroubos, de como dera vazão a sua paixão, deixando-a fluir plenamente com toda força do seu coração, vencendo os preconceitos da sua educação repressora e formal.
Sentia-se feliz. Agora acreditava nó amor do marido. Sentira nos seus olhos, nos beijos, na sua emoção, que ele a queria e essa descoberta aumentava sua felicidade. Quanto tempo perdido! Mas agora, dali por diante, tudo seria felicidade. Seu filho logo esqueceria o amor impossível e por certo encontraria alguém que o fizesse feliz.
Naquela tarde, quando Luciana chegou para tocar com Maria Lúcia, ela sentia-se alegre e bem-disposta. Recebeu a moça com carinho e fez-lhes companhia na sala de música, interessando-se pelas novidades musicais que Luciana trouxera, atrevendo-se a tocar uma delas, apesar de tratar-se de uma música popular.
Luciana sentia-se contente observando a mudança de Maria Helena, e Maria Lúcia, surpreendida com a atitude materna, inibia-se. Quando ela saiu, considerou:
— O que aconteceu com ela? Nunca a vi desse jeito. Ainda ontem estava irritada e num dos seus piores dias.
— Alguma coisa boa. Ela estava radiosa, feliz.
— É estranho!
— Por quê?
— Ela nunca foi assim.
— Pois eu gostei. D. Maria Helena parece outra pessoa.
— Não sei, não. Será que ela está bem da cabeça?
Luciana riu francamente.
— Claro. Afinal não era você quem se queixava do ar "duro" de sua mãe? Ela está mudando e para melhor. Não lhe parece?
— Bem... de fato... hoje ela estava como sempre eu desejei que fosse, mas...
— Mas nada. Vamos aproveitar esse estado de espírito, essa alegria só nos fará bem.
— Você sabe que ando triste. Ulisses não tem aparecido.
— Jarbas tem vindo sempre — respondeu Luciana com voz intencional.
— Ele não me interessa. Gosto de Ulisses, acho que estou apaixonada por ele.
Luciana não respondeu. Depois de alguns instantes, tornou:
— Você já tocou essa valsa? Ë linda. Experimente.
Maria Lúcia olhou a partitura e pediu:
— Toque você. Ainda não sei essa.
Luciana começou a tocar, e Maria Lúcia envolvida pela música, esqueceu a preocupação de momentos antes. Luciana contudo, pensava com tristeza na atração que Maria Lúcia sentia por Ulisses. Ele não era digno dela e não a amava. Era a ela, Luciana, que ele dizia amar. Apesar de não corresponder a esse amor, temia que Maria Lúcia descobrisse e se sentisse preterida. Mesmo tendo mudado, ela sabia que a moça ainda não se sentia plenamente segura. Por vezes, pequenas coisas a afetavam, fazendo-a retomar, embora fracamente, algumas atitudes antigas.
Luciana sabia que Maria Lúcia ainda precisava de certo apoio para poder definitivamente conquistar a alegria de viver. Sentia imenso carinho por ela e não desejava que nada pudesse feri-la. Ela ainda não estava madura o bastante para enfrentar os problemas da vida. Necessitava um pouco mais de tempo. Vendo-a alegre e atenta, procurou afastar a preocupação.
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QUANDO A VIDA ESCOLHE - Zibia Gasparetto
RomanceO homem acredita numa grande ilusão: que a vida seja algo separado dele, mas a realidade mostra que cada um é a própria vida se tornando gente. Portanto, quando você escolhe é a vida escolhendo em você. A vida jamais erra. Assim seja qual for a deci...