Capítulo 17

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Naquela tarde, Maria Helena sentia-se particularmente feliz. Sentou-se ao piano e seus dedos percorreram o teclado com prazer. Enquanto tocava, seu pensamento recordava os momentos de intimidade com o marido. Um milagre acontecera. O sonho de toda sua vida concretizara-se por fim. José Luiz transformara-se em outro homem. Apaixonado, atencioso, como ela sempre desejara. Desde que ela lhe confessara seu amor, tudo mudara.

Por que demorara tanto para vencer o orgulho? Quem ama não deve ter preconceitos. Se houvesse feito isso antes, por certo não teria sofrido tanto.

A idéia de que ele se casara pelo seu dinheiro e posição a transformara e cavara um abismo que por pouco arruinaria para sempre suas vidas. Arrependia-se também de haver permitido que o formalismo de uma educação moralista, rígida e preconceituosa, a transformasse em uma mulher fria, cheia de regras e papéis sociais, manietando sua alma de mulher ardente e cheia de amor.

Rompera essa barreira, vencida pela paixão, pela necessidade de amar e assim pudera despertar no marido o sentimento que ele deveria sentir por ela, mas que não encontrava espaço para expressar-se, frente sua indiferença sempre presente.

Maria Helena sorriu embalada pelos pensamentos que a enchiam de alegria e felicidade.

A criada entrou com uma salva na mão e colocou-a sobre o piano sem dizer nada. Sabia que quando Maria Helena tocava, não queria ser interrompida. Passando os olhos sobre a salva, Maria Helena parou de tocar. Havia uma carta sobre ela. Apanhou-a, abriu-a e leu:

"Prezada senhora. Há já algum tempo, seu marido vem se encontrando com uma senhorita altas horas da noite. Como amigo da família, não acreditei no que meus olhos viram e fui investigar. Descobri entre outras coisas que a casa onde ela mora foi comprada por ele. Poderia dar outros detalhes, porém, o melhor será verificar com seus próprios olhos. Fique preparada. Oportunamente avisarei e poderá surpreendê-los. Sou seu amigo e admirador que muito a estima".

Não havia assinatura. Maria Helena, pálida, mãos trêmulas, acionou a campainha. A criada apareceu solícita:

— O que é isto? Quem trouxe?

— Um portador. Disse para entregar à senhora imediatamente.

Ela olhou o envelope e leu seu nome.

— Está bem. Pode ir.

Quando a criada saiu, Maria Helena deixou-se cair no sofá. Uma amante! José Luiz tinha uma amante! Era de esperar uma vez que durante tantos anos eles viveram sem relacionar-se intimamente.

Esse pensamento, longe de confortá-la, perturbava-a ainda mais. Logo agora, que ela acreditara no seu amor! Seria José Luiz tão venal a ponto de fingir amá-la para usufruir de uma situação que ela provocara?

Seu rosto pálido coloriu-se de súbito rubor. Ela se declarara. Que vergonha! José Luiz não a amava. Apenas dera vazão as emoções do momento, nada mais. Fora leviana, expondo-se desse jeito.

Agoniada, torceu as mãos em desespero. Seria mesmo ver­dade? Se ele de fato comprara até uma casa para ela, a história deveria ser antiga. Como saber? O ciúme apareceu forte. Quem teria escrito essa carta? Leu novamente. Ele lhe pedia para aguardar. Prometeu-lhe provas. Claro. Era uma carta anônima. Poderia ser uma infâmia.

Mil pensamentos circulavam em sua cabeça, e ela procurou acalmar-se. Não poderia fazer nada antes de obter a prova prometida. Como poderia viver até lá? Precisava encontrar forças para que ninguém desconfiasse. Só assim, poderia descobrir a verdade. Habituada a ocultar seus sentimentos, compôs 3 fisionomias, porém, sentia a dor aguda do ciúme ferindo seu coração.

Ninguém notou nada. Ela conseguiu seu intento. A carta, es­condida no bolso do vestido, fazia-a sentir que tudo era verdade.

Sempre se perguntara como José Luiz suportara os anos em que estiveram separados. Agora sabia. Amaria essa mulher? Por certo. Teria filhos com ela?

QUANDO A VIDA ESCOLHE - Zibia GasparettoOnde histórias criam vida. Descubra agora