Quarto Crescente III

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Quando saí para o trabalho no dia seguinte, vi que Proença já tinha lavado minhas roupas e as deixou dobradas em uma pilha no sofá da sala. Ela não costumava fazer isso, mas acho que viu que eu estava trabalhando bastante, por isso fiquei tocada pelo gesto. A camiseta que o Liam me emprestou estava entre a pilha, então a separei na mochila e peguei uma maçã para ir comendo no caminho até a fazenda dos ricaços. Proença tinha me emprestado a bicicleta dela para que eu fizesse o trajeto até lá já que ir a pé era impossível, então eu fui admirando a paisagem e parando de tempos em tempos para dar uma mordida na minha maçã.

Os ricaços estavam tomando café da manhã quando eu cheguei, entrei pelos fundos e a cozinheira já me pediu para pegar os ovos no galinheiro. As galinhas já estavam começando a simpatizar comigo, apelidei duas delas de Gertrudes e Maristela, eram duas professoras que eu tive no Ensino Fundamental. Tobias ficou rindo enquanto aparava o gramado e me via conversar com a Gertrudes como se ela fosse uma pessoa, eu não ligava de parecer maluca, adorava falar com os animais daquele jeito, me fazia sentir mais próxima.

Levei os ovos de Gertrudes, Maristela e companhia para a cozinheira, depois perguntei onde ficava o quarto do Liam, queria devolver a camiseta dele. Ela me disse que era o segundo quarto no corredor do segundo andar, não tinha como errar, pois tinha um "bonequinho simpático" na porta. Quando cheguei lá, percebi que ele tinha um monstro de animação japonesa colado na porta, que não tinha uma aparência lá muito simpática não...

Achei que ele estivesse no andar debaixo tomando café, então tomei um susto quando abri a porta e o vi sentado em uma poltrona diante de uma televisão enorme, jogando videogame. Ele olhou para mim um tanto confuso — hoje estava com óculos de grau no rosto — e eu fiquei um tanto sem jeito por ter invadido o quarto dele sem bater. Só que quando eu ficava sem jeito eu tentava mostrar que eu não estava sem jeito e fazia uma piadinha idiota. Maldita mania a minha...

— Nossa, você é péssimo nesse jogo, garoto virgem — o provoquei.

Liam largou o controle do videogame ao seu lado e me encarou como se não acreditasse no que tinha ouvido.

— É sério, você entra no meu quarto sem bater e ainda me ofende? — ele resmungou — Se eu conto pro meu pai, ele te demite na mesma hora.

Engoli em seco ao ouvir aquilo, eu tinha que controlar a minha língua perto desse garoto, querendo ou não ele era o filho do patrão.

— Eu só vim trazer a sua camiseta — mostrei a ele — Obrigada por ter me emprestado, e desculpa ter entrado sem bater.

Liam assentiu e eu olhei novamente para a televisão. Eu conhecia aquele jogo, era de luta, um dos garotos da comunidade era viciado nele e às vezes jogávamos juntos para passar o tempo. Eu não era uma garota de videogames, a verdade é essa, mas por algum motivo, eu costumava ser boa nisso. Sabe aquele tipo de talento inútil que você tem e nem sabe por quê? Então, o meu talento inútil é ser boa em jogos de luta no videogame.

— Mas é sério, você é péssimo nesse jogo — fui sincera ao ver que ele estava quase perdendo — Aposto que acabo com você na metade do tempo.

— Você? — ele me encarou incrédulo — Achei que não gostava dessas coisas.

— Eu sou estranha — dei de ombros.

— Já percebi — ele resmungou — Mas está enganada, eu jogo isso todos os dias, você jamais me derrotaria.

— Quer apostar, garoto virgem? — o desafiei.

Liam me encarou pensativo, eu podia ver a chama em seus olhos, aquela que dizia que ele não admitiria perder para mim naquele jogo que dizia tanto gostar, e eu mal podia esperar para derrota-lo.

As quatro fases da LuanaOnde histórias criam vida. Descubra agora