Uma visita indesejada

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P.O.V. Ram

     INACREDITÁVEL.
     O cara some por um ano, não toma vergonha na cara pra dar notícias ou manter contato com os filhos, e agora age como se nada tivesse acontecido.
     Eu particularmente já tinha chegado num ponto de nem me importar. Na verdade, fiquei até feliz por não precisar falar com ele. Mas eu sei que meu irmão ficou arrasado. A única ligação que ele recebeu do pai foi no aniversário dele, e ele estava tão bêbado que mal falou direito.
     Agora ele me aparece na casa que nem é mais dele, sorrindo de orelha à orelha como se fosse tudo uma velha reunião de família de comercial de margarina. Sinceramente...
     - Filho! Que saudade!
     Calo-me na hora. O silêncio sempre foi meu bom e velho apelo, e não seria agora que falharia. Resolvi ignorar completamente a sua presença, segurando a mão de King - que parecia tão perplexo quanto eu - e puxando-o para dentro de casa.

     Deixamos as malas no canto da sala, e de longe pude ouvir minha mãe chegando.
     - Meninos! Que bom que chegaram! - ela me abraçou apertado, sem grandes comentários. Não é possível que ela também vá agir normalmente. O que diabos aconteceu enquanto estávamos fora?! - King, querido, quanto tempo! - ela transferiu o abraço para o meu namorado, que sorria com educação, mas que também estava explicitamente confuso. Afinal, ele esteve comigo esse tempo todo, e sabia o quanto a situação era desconfortável.
     Assim que ela o soltou, olhei para o sujeito sumido de relance e depois para os olhos da minha mãe, que acredito me conhecer o suficiente para entender o: "O QUE ESSE MISERÁVEL ESTÁ FAZENDO AQUI?!" sem que eu precisasse dizer uma palavra.
      - Calma, Ram. Está tudo bem. Seu pai me ligou uns dois dias atrás e disse que estava na cidade. Nós conversamos, e ele queria muito ver você e o Ruj, então ele veio almoçar com a gente hoje - minha mãe respondeu calma, mas com o tom de voz que sempre usava quando realmente queria que eu compreendesse alguma coisa. Eu sabia que no fundo isso também não era fácil pra ela, e eu entendia que legalmente ela não podia negar o macho escroto de ver os filhos dele, independente do ano inteiro que passou sem se importar em fazer uma visita. Ela provavelmente só estava tentando ignorar a situação pra deixar o clima menos tenso.
     Respirei fundo e acenei com a cabeça. Eu iria colaborar e fazer isso por ela e por Ruj, mas isso não significava que eu falaria com o cara que não merecia nem ter entrado nessa casa. Enquanto minha mãe foi terminar a comida, o cafajeste já veio se aproveitar.
     - Então você deve ser o King - ele estendeu a mão como se fosse o cara mais simpático do mundo, e King o cumprimentou  com educação - Olha, que tatuagem legal! Parece muito a do Ram... - Meu pai olhou para o meu braço logo depois de notar o lobo de King, comparando as tatuagens até se tocar que eram de fato iguais - Que ideia incrível! Vocês devem ser muito amigos...
     Eu e King nos entreolhamos, e juro que quase começamos a rir. Ruj chegou bem na hora, correndo pra abraçar King antes mesmo do próprio irmão. Pura sacanagem, mas eu entendo... era bom saber que meu parceiro era querido pela minha família.
    
     Ao contrário de mim, meu irmão parecia feliz em ver meu pai. Acho que no fundo ele nunca se desapegou da esperança de que ele voltaria e concertaria as coisas. O que eu temia no momento era que suas expectativas fossem destruídas de novo.
     - Ah, então você já conheceu o King, pai. Ele não é legal?
     - Sim... eu estava elogiando a tatuagem agora mesmo - lá vai ele dar uma de bonzinho... tive que me segurar para não revirar os olhos - Desde quando seu irmão tem um melhor amigo tão descolado?

     Foi aí que caiu a ficha pra Ruj. Nosso pai nem sabia que eu namorava já havia mais de um ano, e que não era com uma garota. King era agora parte da família, então sim, era uma grande coisa. O caçula me olhou, em dúvida se o corrigia ou não, mas antes que qualquer um de nós pudesse dizer qualquer coisa, minha mãe nos chamou para a mesa.
     O cheiro da comida estava maravilhoso, como sempre. Mas não havia a mesma empolgação que costumávamos ter na mesa quando nos sentamos. Com poucas palavras, agradecemos mamãe e nos servimos.

     - Como foram de viagem, meninos? Aposto que aproveitaram bastante - ela interrompeu o silêncio constrangedor.
     - Foi muito bom - King respondeu, sabendo bem que eu não estava me sentindo muito confortável para falar no momento - Acho que todos nós estávamos precisando de um descanso.
     - Viagem de faculdade, é? Curtiram muito as gatinhas? - o sem vergonha foi tentar dar uma de velho descolado, e eu quis enfiar a cabeça num buraco. Fala sério. King me olhou e não conseguiu segurar a risada - Hm.. eu conheço bem essas risadas jovens... tá de namoradinha, é Ram? - Puta merda, só piora. Eu nem sabia mais se sentia vergonha alheia, decepção, raiva ou se enfiava um saco na cabeça. Dessa vez, até meu irmão deu risada.
     Meu namorado encarava o senhor "conheço essas risadas jovens" com uma expressão quase cômica de: "prazer, sou eu a namoradinha."
     E lá fui eu, respirar fundo antes de finalmente abrir a boca pra dizer o óbvio.

     - Você acabou de conhecer meu namorado. Ele está aqui, sentado do meu lado. Se for pra falar de namoradinhas, melhor falar das suas. Quem sabe você não consegue inventar uma desculpa plausível por ter sumido por tanto tempo.

     O silêncio invadiu a mesa mais uma vez. Não se ouvia nem mesmo o tilintar dos talheres. Todos pararam de comer de repente, esperando por uma resposta. Quando o convidado indesejado enfim caiu na real, pudemos ouvi-lo engolindo seco.

     - Poxa... nunca pensei que gostasse de caras.
     - É... pois é - sem olhar para a cara dele, voltei a comer.
     - Não está fazendo isso só pra me provocar, está?

     Ele não disse isso. Não. Eu não acredito que ele disse isso! Ele estava mesmo insinuando que eu estava namorando um cara só para tentar "castigá-lo" por ser um pai tão horrível e irresponsável?

     - Como é que é?! - Lembram quando eu disse que seria capaz de quebrar a cara de qualquer um que mexesse com King ou com o nosso relacionamento? Então: naquele momento  a minha mão queria voar diretamente na fuça daquele desgraçado. E aposto que teria voado se King não a tivesse segurado, tentando me acalmar.
     Acho que o idiota percebeu que tinha dito merda quando viu os olhares indignados de nós quatro, então tentou justificar.
     - Desculpa... eu só estou... surpreso. Vocês sabem que não é a forma tradicional de amor. Sabem como é... pensei que ele pudesse querer usar isso pra tentar me trazer vergonha.

     Okay, pra mim já deu. Se eu não saísse dali imediatamente, outra pessoa sairia... e seria em uma ambulância. Simplesmente levantei e saí, com os punhos tremendo de raiva.

P.O.V. King

     Assim que Ram se levantou, eu entrei em choque. Olhei diretamente para sua mãe, que acenou para mim com a cabeça como se dissesse que tudo bem se eu fosse atrás dele, e que ela cuidaria do resto.
     Não hesitei em me levantar também e correr para alcançar meu namorado, que pegava nossas malas com pressa, como se quisesse ir embora o mais rápido possível. O ajudei a pegar as coisas e tentei acompanhar seu ritmo. Eu sabia que não adiantaria falar muita coisa no momento, então apenas tentei mostrar que estava ali com ele.
     Atravessamos o portão da casa e caminhamos até o ponto de ônibus mais próximo, onde Ram deixou tudo que carregava no chão e me encarou por alguns segundos, com seus olhinhos transtornados e magoados. Apenas o agarrei em um abraço forte, querendo tirar toda aquela angústia do peito dele, mesmo que tivesse que transferir para o
meu.

     - Desculpa por tudo isso. Desculpa mesmo - ele disse baixinho.
     - Ei... tá tudo bem - levei uma de minhas mãos aos seus cabelos, acariciando-os de leve - Você não precisa se desculpar por nada. Eu sinto muito que tenha tido que escutar isso do seu pai. Eu sei que deve estar se sentindo horrível e que as coisas definitivamente não foram do jeito que a gente esperava, mas eu continuo aqui pra você. Eu te amo, Ram. Não vou sair do seu lado.
     - Eu te amo muito - sua vozinha chateada me fazia querer dar o mundo pra ele, só para que se sentisse melhor.
     - O que eu posso fazer pra te ajudar, príncipe?  - O ônibus se aproximava, então soltei-o de vagar. Ele me olhou com um pouco mais de calma nos olhos e tentou sorrir um pouco.
     - Você pode... ir para um lugar comigo?

Never Not - [RamKing] (Tattoos Together 2) Onde histórias criam vida. Descubra agora