Quando emoções precisam de um saco de pancadas.

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P.O.V. Ram

     Passei todo o trajeto de ônibus com a cabeça aconchegada no ombro de King, tentando afastar os pensamentos que traziam à tona toda a raiva e mágoa que pareciam querer me fazer explodir a qualquer momento.
     Meu corpo estava quente e tenso. As palavras do meu pai pareciam ficar se repetindo na minha cabeça, e aquilo era pura tortura. A minha vontade de socar a cara dele só crescia.
     Apenas fechei os olhos e fiz de tudo para me concentrar apenas no cafuné do meu namorado. Era o que tornava tudo mais fácil. Independente da situação, ele continuava sendo meu porto seguro, meu maior apoio e a pessoa que eu amava. Como aquele desgraçado OUSA dizer que o que temos é motivo de vergonha?!
      Eu realmente precisava botar tudo aquilo pra fora. E rápido.

P.O.V. King

     Nem sequer questionei Ram sobre onde iríamos ou porquê. Eu iria para qualquer lugar que o fizesse se sentir bem... mas não nego ter ficado surpreso ao descobrir que seria uma academia.
 
     - Eu estava pensando em vir pra cá e treinar um pouco. Talvez pareça estranho, mas eu sinto que realmente preciso disso agora - ele explicou, um pouco relutante - Se importa em me acompanhar?
     - Nem um pouco! - sorri, empolgado - Na verdade, eu queria muito te ver treinar.

     Eu sabia que ele vinha treinar boxe de vez em quando, mas eu estava sempre ocupado ou fora de casa quando acontecia, então nunca tive a chance de acompanhá-lo. Meu namorado enfim esboçou um sorriso, e seus olhinhos chateamos pareceram recuperar um pouco do brilho com minha empolgação.
     Entramos juntos na recepção, e tive que vestir um crachá estranho de visitante por não frequentar o estabelecimento. Sugeri a Ram que eu me inscrevesse quando tivesse mais tempo, assim poderia vir me exercitar também. Pensei que talvez ele preferisse vir sozinho, mas ele pareceu gostar bastante da ideia.

     A academia estava relativamente vazia, provavelmente pelo feriado, mas enquanto passávamos pela área de musculação, um cara alto e musculoso cumprimentou Ram.

     - Ram! Que bom te ver por aqui - Reparei que, assim como meu namorado, ele também tinha uma tatuagem na lateral do pescoço, mas uma frase ao invés de um desenho e do lado oposto.
     - P'Forth!
     - Eaí, cara. Não vai me apresentar o bonitão? - Forth me olhou, brincalhão.
     Senti a mão de Ram agarrando a minha de repente, e nenhuma palavra saiu de sua boca para responder. Acredito que, depois do que aconteceu mais cedo, uma brincadeira pra causar ciúmes realmente não caiu bem.
     - Ah, então esse deve ser o famoso King - Forth riu, percebendo o desconforto do amigo - Relaxa cara, é só brincadeira. Você sabe que eu também namoro... se eu flertasse com outro cara o Beam me triturava até virar pó.
    Meu namorado ergueu as sobrancelhas, como se dissesse "bom mesmo".
     - Bom, é um prazer te conhecer, King. Seu namorado vive falando de você - dessa vez fui eu quem ri, apertando um pouco a mão de Ram, que não resistiu à timidez e passou a encarar o chão - Bom treino pra vocês!

     Nos despedimos de Forth e fomos para a área específica para boxe, completamente vazia. Me sentei em um banco e fiquei com as nossas malas enquanto Cool Boy vestia as luvas e se preparava pra treinar.
     Nem parecia que naquele mesmo dia tínhamos voltado de viagem, ido a um almoço em família que terminou terrivelmente mal e passado o maior estresse antes mesmo de ir para casa. Isso me fazia lembrar que no dia seguinte as aulas voltariam, e a correria também. A paz realmente durou muito pouco. Mas essa minha mania de ficar me preocupando antecipadamente me fazia muito mal, e o que sempre tentei fazer pra ajudar é me concentrar no momento presente.
     Naquele momento, éramos apenas eu e Ram em uma sala de academia. Não haviam pais escrotos, amigos tristes ou professores cobrando trabalhos para nota. Éramos nós dois e todas as emoções resultantes das últimas horas.
     Observei meu namorado com atenção. Ele respirou fundo, na frente de um grande saco de pancada, e pensei que a qualquer momento ele começaria a bater naquilo que nem um maluco. Era o que eu com certeza faria no lugar dele. Mas não. Quando os golpes começaram, eu mal consegui acompanhar. Cada movimento parecia ter uma precisão especial, o que parecia exigir muita concentração, mas ao mesmo tempo eu podia ver toda aquela raiva e indignação atingindo o saco com toda a força.
     Era diferente da vez em que o vi lutando contra Bohn. Era a prova de que realmente tinha pegado leve com ele.
     Pude ver em sua expressão que realmente se permitiu sentir toda a raiva reprimida nas últimas horas... e no último ano. Lembrei-me de todos os momentos difíceis que ele passou por causa do pai, mesmo com a ausência dele. O sumiço, o divórcio, a falta de comprometimento com as responsabilidades e com os filhos... tudo isso afetou muito Ram. No fundo, nada daquilo havia passado por completo.

     Meu namorado socou e chutou o saco por uns 20 minutos sem parar. Aposto que teria continuado se seu celular não tivesse começado a tocar. Era Ruj. Passei o celular pra ele, que me olhou preocupado. Ao atender, colocou a ligação no viva voz.
     - Oi Ruj - ele estava um tanto ofegante, mas pude perceber que ele já estava mais calmo.
     - Ram? Você está bem? - o caçula parecia preocupado, mas havia uma certa agitação em sua voz. Não dava para saber se era algo bom ou ruim, mas considerando o que aconteceu mais cedo, pensei que fosse alguma emergência.
     - Sim, sim, por quê? Tudo bem por aí?
     - Você não vai acreditar! -ele exclamou, tornando mais perceptível que a agitação era mais por euforia. O Ruj estava... feliz? - A mamãe deu uma bronca enorme no pai e expulsou ele daqui!
     - O quê?!
     - É! Você tinha que ter visto só a reação dela. Ela pediu que eu fosse pro quarto, mas deu pra ouvir a gritaria toda. Eu nunca vi a mamãe tão brava!
- Jura? - Ram parecia ainda mais surpreso que eu, que nunca tinha visto sua mãe levantar a voz - O que ela disse?
     - AMOR TRADICIONAL?! E QUE MORAL VOCÊ TEM PRA FALAR DE AMOR?! VOCÊ SOME POR UM ANO E A PRIMEIRA COISA QUE FAZ COM O SEU FILHO É DIZER QUE O AMOR DELE TRAZ VERGONHA? COMO VOCÊ AINDA TEM CORAGEM DE PISAR NESSA CASA?! - Ruj imitou com uma voz fina engraçada, que inclusive conseguiu arrancar algumas risadas de Ram - É, ela botou ele pra correr.
     - E você está bem com isso? - agora meu Cool Boy esbanjava um sorriso. Libertar toda a raiva e ainda saber que sua mãe cuidou da situação era mesmo o que ele precisava.
     - Bom... eu não sei bem - seu irmão suspirou no microfone - Esse tempo todo eu fiquei esperando ele voltar, e quando voltou pensei que fosse tentar concertar as coisas, sabe? Pelo menos com a gente.
     - É... eu sei.
     - Mas depois do que ele disse sobre você e o King, acho que a máscara caiu de vez. Eu e a mamãe sabemos o quanto ele é importante pra você, e gostamos muito dele também. Não vamos permitir que vocês sejam tratados assim.
     - Obrigado, Ruj. De verdade - Ram me olhou, sorrindo.
     - Ah, e mais uma coisa. Eu... só queria te dizer que você não é uma vergonha, okay? Nunca foi. Você é o melhor irmão do mundo e a gente ama você.
     - Mesmo? - vi os olhinhos que eu tanto amava se encherem de lágrimas.
     - Mesmo! Agora vê se fica bem e não espanca ninguém. Vou lá jogar meu videogame. Acho que a mamãe vai te ligar mais tarde.
     - Okay, okay. Qualquer coisa me liga.
     - Pode deixar. Boa noite, Ram.

     Quando Ruj desligou, Ram continuou a chorar em silêncio. Eu já não sabia se era de alívio, de felicidade ou por uma mistura maluca de emoções. Apenas abri meus braços e deixei que ele se aconchegasse em mim, sem me importar com o suor do treino.

     - Quer conversar sobre isso? - perguntei, sentindo seu aceno positivo com a cabeça como resposta. Nos sentamos juntos no banco, e segurei sua mão com carinho.
     - É só que... é difícil lidar com tudo. Tanta coisa mudou nos últimos tempos... e essa incerteza me assusta. Eu tive medo que meu pai fizesse mais alguma coisa ruim... tive medo que ele desse um jeito de tirar você de mim assim como o pai do Mek fez com ele e o Boss. Tive medo de não ser suficiente pra cuidar do meu irmão e da minha mãe depois que aquele idiota foi embora, assim como no começo tive medo que a sua família não aprovasse o nosso relacionamento ou que eu não fosse bom o bastante pra você. Tive e tenho medo de tantas coisas... como acabar perdendo você por tantas mudanças ou por outra pessoa. Mas agora... - ele respirou fundo e me olhou nos olhos - você continua aqui do meu lado; meu irmão está bem e minha mãe não só resolveu a situação como nos defendeu com unhas e dentes. É apenas... um alívio enorme. Desculpa por te fazer passar por tudo isso.

     Não me segurei em puxá-lo para mais um abraço, com o coração apertado, sem saber o que dizer. Eu sabia que ele se sentia mal de vez em quando, mas a verdade é que eu não fazia ideia da dimensão dessa insegurança.

     - Eii... não se preocupe tanto. Você é um ótimo filho, um ótimo irmão e um namorado maravilhoso. Eu vou continuar com você, e não vou deixar nada ou ninguém mudar isso. Independente dos problemas ou mudanças... vamos enfrentar as coisas juntos como sempre fizemos, okay? - me separei do abraço para limpar suas lágrimas, deixando um beijinho em sua testa - Agora vamos pra casa tomar banho porque estamos precisando.
      - Okay... - Ram riu e me roubou um selinho - Mas só se você me deixar tomar banho com você de novo.
     Caí na risada, aliviado. Meu príncipe estava de volta.

Never Not - [RamKing] (Tattoos Together 2) Onde histórias criam vida. Descubra agora