17 de Novembro de 2004. – Etéria, Província de Ontário, CA.
Orfanato Horda.
O mofo nas paredes e tábuas soltas no telhado do casarão de três andares deixava claro que ninguém deveria morar no local, muito menos 11 crianças abandonadas à própria sorte. Mas digamos que o dono do antigo Orfanato Horda tinha outras prioridades antes de investir dinheiro de suas pesquisas consertando uma casa velha, que ele ainda mantinha apenas para sustentar sua imagem de "homem de negócios caridoso que abriga criancinhas". Vocês sabem como uma boa filantropia rende dinheiro e popularidade, certo?
As palmas barulhentas da diretora do orfanato soaram pontuais às sete, como todos os dias, fazendo os órfãos acordarem assustados para iniciar suas rotinas matinais. Tudo estaria nos conformes naquela manhã de quarta-feira, isso se a mulher de cabelos negros não tivesse visto a cena, algo que seria comum aos olhos de qualquer pessoa, principalmente alguém designado para cuidar de crianças, mas não para ela. Em passos lentos chegou até uma das últimas camas, pairando sobre as duas garotinhas sonolentas que, apesar das recorrentes repreensões, insistiam em dormir juntas todas as noites.
Quando se tem 6 anos o escuro é assustador, a noite é fria, e ser órfão é solitário. Então correr para a cama da sua melhor amiga para inventar histórias até adormecer, ou talvez assaltar a geladeira em busca de doces, não é má ideia. Exceto para elas.
— Catra, o que eu disse sobre fazer a Adora dormir com você? — a mais velha tinha seu foco sobre a menina de olhos heterocromáticos, eles refletiam pavor. — Você atrapalha o sono dela, terei que mover sua cama para o sótão?
— Fui eu que chamei ela ontem à noite, Senhora. Estava com medo. — as palavras não vieram da garota amedrontada, e sim da pequena loira ao seu lado. — Catra não tem culpa, posso ir para o sótão no lugar dela.
O semblante da mulher mudou completamente, seus olhos, antes aterrorizantes, agora continham compressão.
— Não se preocupe, querida, é normal ter medo. — levou a palma fria até a bochecha da de olhos azuis, numa tentativa falha de carinho.
É impossível demonstrar tal sentimento quando seu coração está imerso em escuridão.
— Eu nunca te colocaria no sótão. — a vontade de chorar se fazia cada vez mais presente na menina de cabelos rebeldes, mas não poderia arriscar receber um castigo por isso também. — As duas devem se apressar, não se atrasem.
E assim ela saiu, o vestido vermelho vinho arrastando no chão, um buraco no lugar de seu órgão pulsante, culpa, falta. Para trás, duas crianças traumatizadas, embora em níveis muito diferentes.
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01 de Agosto de 2016. – Etéria, Província de Ontário, CA.
Último ano do colegial.
Depois dos 13 o primeiro dia de aula deixa de ser um evento; o frio na barriga está lá, mas não tão intenso quanto antes, as náuseas de ansiedade são quase inexistentes, e a empolgação é mínima. Agora imagine o primeiro dia de aula em seu último ano, tendo 17; todos esses sintomas são, literalmente, nulos.
E era exatamente isso que Catra pensava ao acordar de mais uma noite de sono mal dormida, o que já não era novidade há alguns anos. Ela insistia em se convencer de que provavelmente as camas haviam ficado mais desconfortáveis com o passar do tempo, ou que o cheiro de mofo estava forte a ponto de atrapalhar seu sono. Mas, no fundo sabia que o motivo de sua insônia era outro, e tinha nome, sobrenome, e olhos que lembram o oceano.
Levantou a contragosto, permanecendo sentada na beirada do colchão por alguns minutos, o suficiente para notar a janela velha entreaberta, Melog acordou cedo. Evitou olhar para a cama vazia ao lado da sua, eram lembranças demais, optando por focar na lixa preta recém trocada de seu velho amigo que hoje teria um descanso. Checou o celular antes de ir ao banheiro, vibrando pela mensagem do Sr. Manson dizendo que as férias do emprego na clínica veterinária só acabariam na próxima semana.
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Seven Years
FanfictionQuantas coisas podem mudar em 7 anos? Catra agora veste uma armadura impenetrável, sua existência pode ser comparada a um labirinto cinza de ceticismo, o que transformou o lado esquerdo de seu peito em pedra; Adora é atormentada por memórias incomp...