04.Abandonos e acordo

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09 de Setembro de 2016. – Etéria, Província de Ontário, CA.

Nem mesmo a claridade do Sol que passava pelas cortinas mal fechadas batendo diretamente em seu rosto foi capaz de impedir que Catra se atrasasse.

Pouco mais de um mês já havia se passado desde o início do ano letivo, tempo suficiente para que os alunos se acostumassem com a rotina de estudos e treino, no caso dos atletas amadores. Por sorte, azar, coincidência, ou até pelo tamanho do campus de Bright Moon, Adora e Catra ainda não tinham se encontrado. Se quer pelas ruas de Etéria se esbarraram, já que, por segurança, a morena fez questão de manter distância da cafeteria, tomando seu querido mocha apenas quando Scorpia tinha a boa vontade de levar um para ela.

Acredito que o destino seja assim, exibido, com mania de grandeza. Grandes recomeços merecem grandes reencontros, não concorda?

Os dias passaram num piscar de olhos para as duas; a loira ficava a maior parte de seu tempo no campus se dedicando às aulas e treinos de kickboxing, nas horas vagas (re)conhecia a cidade com o novo grupo de amigos, que se mostraram incrivelmente acolhedores, vez ou outra ajudando Mara e Rizzo no café. Já Catra seguia sua usual rotina de ir da escola para o trabalho, e do trabalho para a pista abandonada; agora, mais do que nunca, tentando fugir de si mesma.

Mas talvez as horas a mais em cima do skate no dia anterior não tivessem sido uma boa ideia, foi isso que concluiu arregalando as orbes bicolores ao ver o horário que havia acordado. Saiu da cama num pulo, direto para o banheiro, antes que a figura sombria aparecesse.

— Atrasada, menina? — infelizmente, tarde demais. — Vai acabar perdendo a bolsa no colégio, e sabe o que te acontecerá depois.

Samantha Weaver, o bicho papão da infância de Catra, a mulher de olhos sem vida que protagonizou vários de seus pesadelos, a verdadeira responsável por fazer de sua existência um inferno.

— Conseguiu estudar lá por sorte, não entendo como admitem a presença de fracassados como você numa instituição como aquela. — a voz fria, mórbida, enquanto bloqueava a porta do banheiro. A mais nova respirou fundo uma, duas, três vezes, antes de finalmente responder.

— Não que eu me importe com o que pensa de mim, mas, para sua informação, é a primeira vez que me atraso. — disse firme, olhando nos olhos opacos da mulher. — Sinto em te decepcionar, mas meu desempenho é ótimo, duvido que seu sonho de me expulsarem se realize. — ela não tinha medo, não como na infância, só restou mágoa, dor, cicatrizes. — Se me der licença.

Tentou alcançar a passagem, se assustando ao sentir a gola de sua camiseta ser puxada para cima com violência, ao mesmo tempo que seus pés deixavam o chão.

— Não irei tolerar sua insolência! — cuspiu as palavras, gritando como se precisasse extravasar todo o ódio que guardava em seu peito. — Já deixei claro que não tenho motivos para mantê-la aqui. — o aperto no tecido sendo forte a ponto de quase sufocar a garota. — Sua estadia nesse orfanato deveria ter acabado assim que Adora se foi.

A morena se sentia pequena, minúscula, fraca com a sensação de quebrar por dentro. Aquela frase não era novidade, deveria ter se acostumado, mas parecia doer mais a cada vez.

— Não hesitarei em te expulsar, então aconselho que não me desafie! — soltou a menina, saindo a passos furiosos e deixando para trás um rastro de destruição.

No chão do banheiro, com o rosto banhado em lágrimas, Catra se perguntava se estaria passando mal, tendo uma hemorragia interna, ou se toda a dor que sentia era emocional. Nunca entendeu realmente as palavras de ódio, os olhares rancorosos, e agressões físicas, só sabia que sempre fora assim, Weaver nunca fez questão de esconder. Odiava a si mesma por admitir que era mais fácil na infância, quando além da esperança infantil vívida em seu peito, Adora estava lá para consolá-la com cafuné, palavras carinhosas, e um abraço que gostaria de fazer de lar para sempre.

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