03.Prisão

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Em meados de 1997, após a morte da solitária velhinha conhecida como Sra. Moretti, a casa espaçosa onde vivia ficou abandonada. Seu marido faleceu anos antes, os dois não tiveram filhos, e o gato branco apelidado de Bola de Neve não soube reivindicar a herança. Hoje, quase duas décadas depois, ninguém diria que as paredes cobertas de grafite já tinham sido o lar de uma idosa; o chão deu lugar às rampas, a piscina vazia virou pista, pichações coloriam o local, e o barulho incessante das pequenas rodas no cimento deixava claro que a Moretti não morava mais alí.

— Merda! — Catra praguejou por errar pela quinta, ou sexta vez, uma manobra básica.

— Gata selvagem, tem certeza que tá tudo bem? — intensificou o aperto na borda do skate, poderia quebrá-lo na cabeça da platinada caso ela tornasse a repetir aquela pergunta.

— Scorpia, pela milésima vez, estou ótima.

Era mentira, tudo estava estranho desde o acontecido no café, três dias atrás, quando seu passado resolveu sair do túmulo em que havia sido enterrado à força. Sua desatenção triplicou, o estresse não deixava seu corpo, e, pela primeira vez em muito tempo, Catra sentia medo.

— Não parece. — a mais velha disse séria, sentada em cima do half pipe. — Você não acertou um grind desde que chegamos aqui, está estranha, e duvido que escutou algo do que eu disse na última meia hora. — encarou a morena com uma carranca e braços cruzados rente ao corpo.

— Pftt, tá doida? É claro que eu ouvi.

— Ah, certo. — foi sarcástica, meneando a cabeça como se acreditasse. — Do que eu falava então? — a menor arregalou os olhos engolindo em seco. — Sabia! — concluiu abaixando o olhar, começando a girar a roda vermelha do skate em mãos com o indicador. Catra bufou, subindo na rampa e sentando ao lado de Scorpia.

— Ok, eu assumo, não ouvi uma palavra do que você disse. — era o mais próximo que ela chegaria de um pedido de desculpas. — Mas agora prometo que vou escutar. — olhou para a platinada em expectativa.

— Não quero repetir. — continuava emburrada, focada no movimento frenético das rodinhas na ponta de seu dedo.

— Quer sim.

— Não quero não.

— Ok então.

— Só porque você insistiu muito. — se virou para a mais nova.

— Mas eu n-

— Estou morrendo de ansiedade para começar os treinos, é tudo tão legal! A treinadora já nos levou no ringue e-

— Espera, que? — interrompeu a fala apressada da outra, um vinco enorme em sua testa. Do que diabos a garota estava falando? Ringue?

— Os treinos. — disse como se fosse óbvio, e talvez tivesse um símbolo de interrogação acima da cabeça de Catra. — O clube de kickboxing, eu me inscrevi, esqueceu? — ela realmente andava distraída nos últimos dias.

— Uh... Não, claro que não esqueci. — torceu para que a mentira convencesse Scorpia. — Mas então, kickboxing? — indagou desviando o olhar para uma pichação, se perguntando o porquê de nunca ter pichado o lugar.

— Socar coisas parece interessante, e sempre fui fã do Rocky Balboa. — concluiu orgulhosa, enquanto a outra franzia o cenho.

— Mas ele não faz boxe?

— Dá no mesmo. — deu de ombros, fazendo a morena rir e negar com a cabeça.

As garotas seguiram para a pista de skate logo que saíram de Bright Moon, algumas horas haviam se passado e a brisa fria da noite já se fazia presente. Os pedaços incompletos do teto possibilitavam a vista do cobertor de nuvens pesadas que se arrastava pelo céu, chuva de verão. Catra esfregou os braços com a palma das mãos, que ótimo dia para esquecer seu moletom.

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