6

1.5K 192 45
                                        

Minha barriga ainda dói de tanto que eu já ri. Cassie pode ser boa em fazer massagens e conversar, mas é péssima em fazer penteados. O que deveria ser uma trança embutida virou um nó terrível, que estamos a meia hora tentando desfazer.

— Acho que vai ter que cortar — digo. Não aguento mais Cassie puxando o nó, meu couro-cabeludo lateja.

— Seu cabelo ficaria na altura do ombro se cortarmos — observa ela, jogando a escova no sofá e se levantando. 

Meu cabelo vai até a base das minhas costas. Cassie é muito boa em fazer nós.

— Tudo bem. Apenas não corte ele torto. 

Ela me encara com os olhos arregalados.

— Está falando sério? 

— Claro. Ele é todinho seu.

— Calen…

— Vai contestar a ordem da filha do Grão-senhor? — estreito os olhos para dar mais ênfase, mas nunca fui boa em bancar a megera.

Cassie ri e vai até a cozinha, voltando com uma tesoura. Ela fica atrás de mim e pergunta se tenho certeza que quero aquilo. Honestamente, não tenho, mas que se dane.

Quinze minutos depois, Cassie leva uma Calen trêmula até seu quarto, onde há um grande espelho, e me coloca na frente dele. Encaro meu reflexo.

— Como um corte de cabelo pode mudar tanto alguém? — indago num misto de alegria com espanto.

Meu rosto parece mais longo e adulto, e meus quadris parecem mais largos. Para mim, isso é algum tipo de magia.

Os olhos de Cassie encaram o meu reflexo com a mesma expressão.

— Estou me perguntando a mesma coisa.

Abro a boca para responder, mas somos interrompidas por um barulho alto. Alguém está batendo na porta da casa. Alguém muito, muito brabo. Ou é um mercenário ou um brutamontes alucinado ou…

Simplesmente meu pai.

— Deixe que eu atendo — falo para Cassie. — Fique aqui.

De repente, estar ali não parece ter sido uma ideia tão boa, nem ter cortado o cabelo e nem ter saído sozinha de casa para tentar fazer um remédio.

Caminho até a sala e abro a porta. Meu pai, tio Az e tio Cassian. Meu pai parece tão enfurecido que eu acho que vou fingir que desmaiei apenas para fugir da situação.

— Eu disse para o seu pai que você estava apenas namorando às escondidas — Cassian deu de ombros, passando por mim e se sentando no sofá, olhando ao redor do cômodo. — Bem bonitinho.

Meu pai olha com ódio mortal para o amigo. Azriel apenas me olha ressentido. Não duvido que tenha sido obrigado a vir junto.

— Custava ter avisado alguém? — pergunta meu pai para mim.

— Ninguém perguntou, então eu não precisava avisar nada. 

Meu pai passa a mão pelo cabelo. Ele parece estar muito brabo. Meu estômago fica gelado.

— Onde está o garoto?

Nesse momento, me dou conta de que será estranho se eu disser que esbarrei com Cassie na rua e nos tornamos melhores amigas assim. Porém, contar a verdade é uma opção incogitável. 

Tomara que Cassie esteja pensando o mesmo que eu. 

— É uma garota — murmuro, encarando meus pés. Cassie me emprestou um par de botas forradas com lã quentinha, disse que o valor evitaria a dor na minha perna.

Meu pai também repara que aqueles sapatos não são meus. Sua expressão mudou agora, mas não está nada melhor.

Tio Cassian se levanta e sai da casa, dando um tapinha no ombro do meu pai. Ele e Azriel se afastam calmamente, cochichando algo. Agora que estamos a sós, o peso do olhar de meu pai sobre mim parece ainda pior. 

— Rohan e Nephelle contaram o que aconteceu hoje de manhã — diz ele, pegando minha mão e me conduzindo até o sofá. 

— Contaram o quê?

— Que você se estressou com Nyx e bateu nele. Nephelle disse que, depois disso, ela e Rohan tentaram acalmá-lo, mas não teve jeito. Foi por isso que você fugiu?

— Eu apenas quero ficar sozinha.

— Calen… — a mão de meu pai se aproxima da minha, mas eu me levanto e me afasto, indo para a cozinha.

— Vá embora. Essa casa não é sua.

— Pequena, por favor — a súplica na voz dele me fere como uma facada. O Grão-senhor da Corte Noturna nunca implora nada para ninguém.

— Vá embora agora. 

Vencido, ele suspira e sai. Então, eu vou até o quarto de Cassie, que ouviu tudo e me recebe com os braços abertos. Rohan e Nephelle me pintaram como um monstro para minha família. Não duvido que tenham dito algo para as crianças também.

— Por que não diz logo a verdade, Calen? — pergunta Cassie, afagando meus cabelos. — Vai continuar aguentando isso por causa de uma simples… coisinha feita com as mãos?

Dou um riso fraco.

A verdade é que eu fiz bem mais do que aquilo, e Rohan sabe o que foi. 


Noite Sombria e Perversa Onde histórias criam vida. Descubra agora