Dois - A holandesa de Cambridge

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O despertador acordou Melissa pontualmente às seis da manhã daquele primeiro dia no St. Marcus Institute. O primeiro dia de trabalho de sua vida como psiquiatra. Tinha medo, as mãos suavam, e uma louca vontade de voltar correndo para casa teve de ser ignorada.

"Vai dar tudo certo", foi o que sua mãe lhe disse ao telefone, quando ligou para se certificar de que a filha havia conseguido acordar sã e salva naquele lugar violento e perigoso, como gostava de lembrar.

"Vai dar tudo certo" foi o mantra que repetiu para si mesma, enquanto vestia o uniforme branco dos médicos, com o brasão imponente do St. Marcus bordado em linhas verdes e pretas. Seu nome também já estava ali, demonstrando a eficiência, ainda que antipáticos, dos funcionários da instituição.

O cabelo foi preso em um coque firme no alto da cabeça. Melissa buscou os óculos de armação preta, antes de finalmente se mostrar ao depressivo mundo do St. Marcus. O corredor dos dormitórios estava particularmente abarrotado. A julgar pelo número de pacientes do local, que ao todo contavam cento e cinquenta, era razoável no mínimo aqueles, pelo menos, quinze médicos que caminhavam com pressa por ali. Lá no fim do corredor, estava a porta de aço que Brian, prestativamente, no dia anterior, informou abrigar o refeitório. E era para lá que todos caminhavam. Melissa respirou fundo antes de dar os primeiros passos.

A duas portas de distância da sua, do lado direito do corredor, o mesmo doutor Brian Peters do dia anterior lhe sorriu simpático ao reconhecê-la em meio àquele mar de branco. Alguns enfermeiros também se esquivavam por ali em seus uniformes azul claro.

- Como foi a primeira noite? – Brian perguntou, quando Melissa se aproximou, correspondendo ao seu sorriso.

- Razoável. Com exceção a alguns gritos que... Nossa! Eles têm um pulmão bastante potente, não é mesmo? – forçou um sorriso, que tentou disfarçar suas feições assustadas.

Melissa perdeu as contas de quantas vezes fora acordada no meio da noite por gritos histéricos que vinham dos edifícios A, B e C. Não sabia distinguir qual deles, entretanto. Ou se vinha dos três ao mesmo tempo. Parecia, no entanto, que alguém por lá sofria algum tipo de dor excruciante.

- Estranho é o dia em que eles não gritam. Não se preocupe, você se acostuma com o tempo.

- O problema é justamente eu me acostumar.

Brian riu da resposta de Melissa, e ela só conseguiu continuar a se esforçar para parecer satisfeita. O medo, incrivelmente, havia passado. O que a incomodava era a ansiedade que, tendia a acreditar, muitas vezes era pior do que o medo. A inquietude tentava a sua mania de roer as unhas, a qual ela vinha durante anos, com muito custo, tentando controlar.

O café da manhã no refeitório oferecia café, chá, ovos, salsicha e bacon. Melissa se serviu de ovos, três pedaços de bacon, e uma boa dose de café, que a manteria devidamente acordada durante o dia. Não que imaginasse precisar, realmente, uma vez que achava que emoção era o que não faltaria por ali. Uma injeção de cafeína, que proporcionaria um ânimo a mais, era sempre bem-vinda, no entanto.

Melissa sentou em uma mesa no canto do refeitório, juntamente com Brian e outros dois médicos com cara de poucos amigos. Uma outra médica também estava ali. Tinha sorriso plástico, cabelos tingidos de um vermelho vivo e voz exoticamente cativa, como a de uma dubladora de desenhos animados. Era meio assustador, na verdade.

Melissa não conseguiu se lembrar do nome de nenhum dos três colegas, apenas de uma sorridente e simpática enfermeira que tinha o atrevimento de se enfiar em uma mesa ocupada por médicos. Seu nome era Kate, e, aparentemente, era uma grande amiga de Brian, já que os dois conversavam como se se conhecessem há uma vida toda. Kate era a descrição do que Melissa achava ser uma típica enfermeira. Era relativamente baixa e magrela. Seus cabelos loiros eram cortados em um impecável chanel muito bem assentado. Os olhos eram de um verde aconchegante e as bochechas coradas de um modo que a deixava meiga. Ela era bonita. Quando falava, sua voz era calma e baixa, de uma graciosidade invejável. Melissa se sentia uma gralha escandalosa perto da enfermeira Kate.

Psicose (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora