Prólogo

617 31 0
                                    

J. D. OLIVEIRA APRESENTA:
OS VENTOS DO PASSADO

O guia de turismo nos leva até onde devia ficar a sala do antigo casarão. As pedras resistentes são envoltas em seringueiras e outros tipos de plantas que não consigo identificar.

— Esse lugar é incrível, meu amor — Chico diz com excitação atrás de mim e depois segura minha cintura cheirando meu pescoço.

— É mesmo maravilhoso e essa viagem tá sendo muito boa. Obrigado Chico — digo alisando sua barba.

— Tudo por você.

Ele beija o canto da minha boca e volta a tirar fotos do lugar. Olho para ele e sorrio com a plena consciência dele estar fazendo toda essa viagem e me paparicado por que está se sentindo culpado por ter esquecido o nosso aniversário de casamento. Ele estava chegando tarde em casa nos últimos dias e então quando nós brigamos pra valer no dia do nosso aniversário de casamento ele se sentiu a pessoa mais culpada do mundo e organizou toda uma viagem só para nós dois para se redimir do sei lá o que ele andava aprontando em São Paulo.

— Olha o formato daquelas ruinas, amor — disse ele apontando para mais pedras caídas e matos, seus olhos brilhavam — Não se perde não, fica do meu lado.

Uma coisa era verdade o lugar era magnífico, não sabia que existia essas ruinas no Rio de Janeiro, mas fiquei interessado em visitar essa pacata e distante cidade para descobrir mais histórias.

— Espera, amor é você quem vai se perder desse jeito  — Eu comecei a dizer mas Chico fez um gesto com a mão como dispensasse minha preocupação.

Tive que ir atrás dele e me separar do grupo de turistas que estavam seguindo o homem que falava das pomposas festas de gala que aconteceu ali em mil oitocentos e lá vai bolinhas. Alguns espinhos e carrapichos ralaram e grudaram na pele da minha única perna que estava descoberta por causa do calor, eu seguia Chico que descia o morro atrás dele com certa dificuldade.

— Chico pelo amor de Deus isso já tá passando dos limites. É só destroços de um casarão — falei alto.

— Amor, qual é? Deixa de ser frouxo...

Ele acabou tropeçando em uma pedra e caiu com o peito na grama alta, gritei por ele e caminhei com mais pressa, ela foi se levantando a medida que me aproximei dele.

— Você está bem?

— Puta que pariu olha só o que eu encontrei — ele disse se abaixando novamente e pegando algo estilhaçado.

Eu curioso corri mais rápido até ele e estava ofegando quando vi ele levantar a caixa toda suja de areia. A madeira estava apodrecida e o fecho de ferro já havia sido aberto, algumas formigas caminhavam em cima da caixa. Ele assoprou a terra inutilmente, eu me apoiei em seu ombro para ver melhor.

— O que tem dentro?

— Espero que seja algo valioso.

— Você só pensa em dinheiro — dei dois tapinhas em seu ombro mais ele não reclamou, acho que sentiu foi cócegas afinal de contas ele era um homem muito músculoso e grande.

— O que você espera que tenha amor? cartinhas de amor não correspondidas de uma jovem moça virgem para um sedutor barato do século XX? — Ele falou irônico.

— Ah não sei, deve ser algo sentimental de alguém...

— Não importa, eu vou abrir e a gente descobre.

Ele levantou a tampa e ela caiu no chão de tão podre que estava, dentro da caixa havia uma almofada velha, que um dia fora branca mas agora está encardida e furada, era muito velha mesmo.

— Acho que nem minha tatatatara avó tinha nascido quando fizeram essa almofada — ele disse e eu não deixei de sorrir.

Eu levantei a almofada e no fundo da caixa de madeira estava escrito algo, um pouco apagado dando para perceber apenas algumas letras:

"eu s***** **** *m** **c* *es** ****is ** *i**a ***t*
M*r***"

Chico virou a almofada e ouvimos um tilintar e então dois anéis prateados caíram na caixa em cima da frase, os anéis estavam novinhos em folha tirando a terra que envolvia os dois. Ficamos boquiabertos por um momento.

— O que fazemos? — Perguntei enfim.

— Achado não é roubado!

— Isso não tem graça amor! Devíamos levar isso para o museu histórico da cidade, talvez tenha sido as alianças de algum casal antepassado dessa cidade ou de alguém importante, não sabemos nem de que época é. Isso não é uma joia ou algo de valor. Isso é história, a história desse lugar e talvez alguém saiba de quem seja.

Chico ficou pensativo olhando as duas alianças de prata dentro da caixa, então ele colocou a almofada em cima e pegou a tampa velha para cobrir a caixa e se virou para mim.

— Droga! Eu odeio quando você tem sempre razão.

— Você sabe que eu te amo, e eu sei que você também me ama.

— Não nesse momento.

Fizemos nosso trajeto se volta e eu ficava rindo do argumento dele de que talvez os anéis valessem milhões hoje em dia e que a gente tava jogando dinheiro no ralo. Conseguimos encontrar nosso grupo e ele guardou a caixa dentro da bolsa.

— Hoje mesmo a gente vai no museu, chato.

— Eu não sou chato amor.

— É sim.

Dei um beijo nele e ouvi uma pequena discussão do guia com um homem louro de jaqueta preta, esse parecia está muito bravo e apontava o dedo indicador na direção do peito do guia. Olhei para eles e franzi o cenho "quem diabos usa jaqueta preta e de couro num calor desse?"

—  Uhuuu treta!

— Chico, só você mesmo — balancei a cabeça em negativa.

Ele beijou meu rosto e eu continuei olhando a discussão dos dois homens mais a frente, estávamos embaixo de uma sombra única naquele lugar, projetada por um muro alto e uma pilastra quebrada ao meio.

O homem louro que parecia furioso se virou e veio caminhando pisando duro  em nossa direção e então um arrepio correu por meu corpo, meus pelos eriçaram e tudo pareceu em câmera lenta. Seu jeito de andar, seu corpo, seu rosto eu conhecia esse homen de algum lugar mas tenho a impressão de nunca tê-lo visto na vida.

A certeza de que eu já o conhecia se confirmou assim que ele passou perto de mim e eu vi...

... Seus olhos.

Os Ventos do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora