O Poeta Perdido

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I

Vais caminhando
calçado, calado,
cansado com os pés
virados por essas ruas
alvas e puras.

Suas criaturas,
salvas da intemperança,
lhe dão esperanças
de se ter esperança
num mundo onde
as crianças choram
descrentes e sozinhas!

Tão carente e só
caminhas; e profundo
sentes toda essa gente
sofrendo, querendo
sempre pra agora!

Então vais embora
se indo, calcando os pés
para frente embora
se vejam para trás,
sentindo e amando
esse mundo como se
ele fundo te amasse!

Um passe a mais,
mais profundo e vês
que rastejam (onde
quer que eles estejam),
entes e seres doentes;

moribundos e gemebundos
sussurrando tais palavras
por demais incompreensíveis,
inaudíveis aos insensíveis,
imundos e nauseabundos
ouvidos dos humanos!

Mas, nesses tão
poucos e benditos anos
fecundos, observando
e dialogando cos loucos,
aprendesses a decifrar
aos ditos infecundos
olhares e feições:

Seus corações
carregam pesares
que se pudessem ser
pesados não haveria
balança que os pesassem!

 
II

Alcanças a glória!
Então vai, caminha...
só um pouco mais...
Mas a vitória não
mais lhe interessa.
Perdesse a pressa
que tu antes tinhas.

Nem nas melhores
memórias que mantinhas
em sesta, dormindo,
nem nas maiores
histórias que sustinhas
em festa, curtindo,

houve essa tal
glória tanto falada
que pudesse ser
comemorada por
alguém senão
em pranto!

Tudo lhe enfada,
porém! Não resta
gosto no rosto pálido,
posto não mais cálido
de torpor, ávido o corpo
por poder despertar!
Mas ai, desgosto!
estás já acordado...

III

Ao lado da tua
sombria e fria
cama, livros já lidos:
compridos romances
que com um relance
de uma alígera alegria
vivesse, e as poesias
que tanto amas;

e que se pudesse
escreveria igual com
tal vivacidade, verdade,
espanto e encanto com
que foram escritos!

Mas os malditos gritos
estridentes da tua mente
sufocam em tormentos
todos os teus portentos
sentimentos sinceros!

Deus do firmamento,
diga sem esmero aos que
me aqui suportam, por que
quero tanto escrever
o que não sinto?

Minto, entretanto.  
Mas os meus cantos
que viram pranto, sinto
lhes dizer, mas nunca
estive nem um quinto
quanto perto de os viver!

Será certo me chamar
poeta somente por isso?
Continuar a descrever
pretenciosamente o que
me afeta por um curto
período decorrer de tempo?

Tudo furto do momento
mas nada é realmente
definido como meu!

IV

Muito tenho sido
eu falaz em minha
paz e filantropia:
de dia sou igual
a todos e isto me
muito desagrada

(todos meus modos
triviais, a minha assaz
e enfarada simpatia) ―
Nada sou assim à noite!

Quem por acaso
aqui no raso da minha
razão penso que estou
enganando senão a mim
mesmo e eu próprio?

O ópio da poesia,
tão intenso inebriando
em mim, me deixando
infenso ao ódio e assim
em suspenso os meus
pensamentos e ais, me diz
neste momento, aliás,
para pôr um fim nela sem
demora; findá-la aqui,
agora mesmo e já!

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