Um resquício de felicidade

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"Lalisa"

Me estabilizei um tempo depois, respirei fundo e ergui a minha cabeça, Jennie estava atrás de mim a poucos passos, com a feição meio assustada e esperando por alguma explicação. Eu a olhei depois de um tempo mas não consegui ficar mais ali, corri até o meu quarto tentando colocar tudo no lugar. Peguei o porta retrato que tinha debaixo do meu travesseiro e passei a chorar ainda mais, eu só queria que ela estivesse aqui, seria tudo diferente.

- Eu sinto a sua falta, mãe... - sussurrei pra mim mesma vendo o sorriso que habitava nos lábios dela, a mulher que eu mal tinha lembranças, mas que eu amava incondicionalmente. Eu me deitei na cama abraçada a aquela foto e depois de um tempo acabei pegando no sono.

Mas tudo o que vinha na minha mente era aquela paciente, os gritos dela, e principalmente o rosto de Jennie, ela teria que passar por aquilo, eu teria que assistir aquilo, eu não queria ser forte por aquilo. Sabia que tinha mil coisas a fazer, mas eu não estava bem, meu pai sabia que eu não ficava bem depois daquele projeto ser aplicado, céus como eu odiava o meu pai.

Caminhei um pouco pelo o jardim quando escureceu, tudo escuro, apenas as estrelas tão tristes quanto eu, me sentei ali no meio retirando o meu jaleco e o olhando por fim, havia uma pequena mancha de sangue nele, e eu sabia do que se tratava. Não conseguia fechar os olhos, toda fez que o fechava lembrava dos gritos, da cena horrível, e sempre vinha a mente o rosto de Jennie, meu estômago se embrulhava em saber que ela teria que passar por aquilo, céus ela não podia passar por aquilo. Olhei a parte do gramado que havia sido destruído por ela, tão pequena, mas com tanta raiva, e não era para menos, ela estava complemente certa em estar com raiva, eu nunca a julgaria por tal sentimento.

Aquele corredor sempre frio e assustador, silencioso, doloroso, aonde abrigava centenas de mulheres que estavam ali por um simples motivo.

Por gostarem de outras mulheres.

Eu deveria estar em um daqueles quartos também... eu deveria estar internada também...

Aquela porta e aquele número sempre faziam com que a minha garganta desse um nó, e não foi diferente daquela fez, o mais silencioso possível destranquei a porta, encarando a mulher sentada em na cama olhando sem esperança alguma para a janela, sua cabeça deitada no parapeito enquanto seus dedos batucavam no vidro suavemente, ela era adorável.

- Não consegue dormir? - sussurrei, ela não se assustou, pela primeira vez ela não recuou quando cheguei mais perto após trancar a porta novamente, se limitando em apenas concordar com cabeça - É... eu também não...

Fiquei em silêncio achando que ela falaria alguma coisa, mas percebi que ela estava tão distante que não seria capaz de começar um diálogo, seus olhos vazios, via eles pelo o reflexo da janela, fitavam o nada, talvez fitavam alguma escapatória que no fundo eu sabia que não tinha. Em um tom de chocolate eles não brilhavam, ao menos me encaravam de volta, eu só precisava que ela olhasse para mim, céus porque eu queria tanto que ela olhasse para mim? Ouvi o seu estômago roncar, e ao lado dela havia uma pequena embalagem de uma barra de cereal, mas quando tentei pegar, ela foi mais ágil segurando a embalagem e escondendo em suas mãos.

- Está com fome? - ela assentiu, parecendo ter vergonha daquilo, acabei sorrindo, não sabia o motivo mas sorri - Eu já venho.

Retirei da geladeira o que seria o meu almoço do dia seguinte, não me importava se não comeria depois, Jennie era o foco para mim naquele momento. A macarronada parecia apetitosa depois de esquentada e o suco de morango me parecia bom o bastante para ela, tirei da minha mochila uma barra de chocolate meio amargo e a coloquei em meu bolso, pisando com cuidado para não fazer qualquer tipo de barulho, soltando o ar de uma vez quando me tranquei no quarto de Jennie mais uma vez.

A visão que eu tive foi a melhor em vinte e sete anos da minha vida, seus olhos voltaram a brilhar, tão intensamente que eu poderia me reencontrar no escuro apenas com aquele brilho que ela emanava, um sorriso quase largo, sua covinha meio afundada e uma mecha do seu cabelo atrás de sua orelha... linda...

Coloquei a bandeja em cima das suas pernas e segurei o copo de suco até que ela acabasse de comer, ria quando ela fechava os olhos e emitia um som como "huummm" ou algo assim, nenhum momento se comparava com aquele, o momento em que fiz Jennie sorrir, mesmo que tenha sido o prato de macarronada em si que a fez soltar um sorriso, eu me contentava com aquilo. Ela limpou a boca com a manga do pijama, me fazendo rir mais uma vez, tão delicada e... maravilhosa...

- Pra você - entreguei a ela a barra de chocolate, mas não estava esperando por um abraço da parte dela, e quando eu realmente me dei conta que ela havia se jogado em cima de mim, apenas envolvi os braços em sua cintura a deixando em meu colo sem problema algum - Gostou?

- Obrigada... - ouvi a sua voz baixa, mas feliz, pelo menos um resquício de felicidade ainda pairava sobre ela e aquilo era bom - Eu adoro chocolate.

- Temos algo em comum então.

- Acho que sim.

Dividimos a barra de chocolate, claro que eu dei os pedaços maiores para ela, pois queria que ela continuasse com aquele sorriso no rosto, aquela era a imagem que eu queria carregar comigo, de uma Jennie feliz, sorridente e suavemente linda. Quando terminamos me sentei em sua cama repetindo o que fizemos na noite passada, agora não parecia mais estanho, e era até confortável tê-la ali em meus braços, sentir a sua respiração ficando sincronizada, senti-la relaxar aos poucos e se entregar em um sono bom para o momento.

- Você precisa dormir - ela falou de repente.

- Você também.

- Não mais que você - eu ri ao escutar a sua voz sonolenta e o seu suspiro pelo o carinho que eu fazia em sua nuca levemente.

- Não se preocupe comigo.

- Irei me preocupar com você sim... pois você é a única que se preocupa comigo... - ela deveria estar delirando de sono, mas mesmo se tivesse, eu não me importava, as suas palavras me levavam para lugares seguros.

- Irei cuidar de você, Jen... - sussurrei quando tive certeza que ela já havia dormido, porém fui surpreendida mais uma vez.

- Irei cuidar de você, Lisa...

1996 (Jenlisa G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora