Três

732 88 487
                                    

Karol S.

A última vez em que estive na Ilha do Sol eu tinha nove anos e foi a pior experiência da minha vida, por isso evitei voltar lá.

Era réveillon e a praia estava lotada, então me esgueirei por entre as pessoas, inventando de entrar no mar mesmo que meus pais tivessem dito para eu não fazê-lo, já que a maré estava muito alta naquele dia.

Lembro-me de poucas coisas além da agonia profunda que senti ao ser arrastada pela força da água. Logo em seguida o pânico começou a fechar minha garganta e, pouco a pouco, meus pulmões foram se tornando duas brasas acesas e impediam que o ar circulasse, enfraquecendo meus movimentos e calando a minha voz.

O barulho dos fogos ecoava por todos os lados e tive a plena certeza de que iria morrer.

A única imagem que permaneceu na minha cabeça confusa foi a do olhar do garoto que me salvou.
Eram olhos límpidos, selvagens e intensos, e todas as noites eu sonhava com esse detalhe, mesmo que tivesse a impressão que esses resquícios de memórias estivessem se apagando dia após dia.

Bom, quer dizer, eu pensei isso até ver o tal de Ruggero.
Os olhos dele se pareciam muito com os olhos dos meus sonhos, mas eu me negava a acreditar que havia sido ele que me resgatou. De jeito nenhum. Eu não podia estar devendo a minha vida àquele troglodita ignorante que me tratava como uma estúpida. Por isso achei melhor ficar calada e empurrar esse pensamento pra longe.

Definitivamente não podia ser ele.

Porém era a única explicação para a sensação explosiva de reconhecimento.

Que inferno!

─ Pronto. – A voz dele me arrancou dos meus devaneios e fui obrigada a voltar à minha nova realidade. ─ Chegamos.

Meu corpo solavancou um pouco com a freada brusca daquela caminhonete velha e soltei um muxoxo de aborrecimento.

─ Finalmente. – Resmunguei pra mim mesma, desafivelando o cinto de segurança.

A Pousada Nascer do Sol, estabelecimento turístico da minha tia Malu, ficava praticamente no centro da ilha e por isso era tão visada e procurada pelas pessoas que iam passar os fins de anos ou feriados por ali.

Perto da pousada ficavam alguns bares, lanchonetes e restaurantes, todos com ares de pouco conforto e comida barata, mas era o que tinha e, aparentemente, isso agradava muito os ditos turistas que praticamente se engalfinhavam por peixes exóticos e alguns pratos de especiarias locais.

Logo adiante ficava o pequeno vilarejo da ilha. Bom, chamar de "vilarejo" era até bondade. Era praticamente uma rua estreita com várias casas decrépitas que se amontoavam, além de uma praça e uma igreja com fachada descascada.

Já o mar ficava logo em frente e a todo o momento parecia querer engolir a areia por inteira e adentrar nas casas das pessoas.

O sol já começava a deitar-se no horizonte e a sensação de abafado ia diminuindo.

Pulei para fora da caminhonete e soltei o ar com força, alongando as costas doloridas, porque além daquele ônibus ser extremamente desconfortável, o carro não ficava muito atrás. Os bancos pareciam duas tábuas de ferro.

Se meus pais queriam me castigar, pois bem, conseguiram! Só espero que estejam satisfeitos,

─ Mais calma, menina?

Lancei um olhar atravessado para Ruggero que parecia achar graça da minha cara fechada.

─ Porque você não vai pro inferno?

AMAROnde histórias criam vida. Descubra agora