Trinta e Sete

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Cassiel dos Anjos

Celeste estava ansiosa.

Com a mão encaixada na minha, ela mordiscava o lábio inferior, olhando para seu corpinho minúsculo deitado àquela cama.

O quarto estava vazio e tudo o que reverberava ali dentro era o bip constante dos aparelhos presos a ela.

Seus batimentos cardíacos eram o medidor da vida; os médicos ainda não compreendiam que a verdadeira força da existência esta na alma; é ela quem cede a luz aos olhos e a força aos pulmões, além de acomodar nas artérias a quantidade de sangue adequada, traçando batidas compassadas ao coração.

─ Então isso aqui é um sonho, Cassiel?

Abaixei a cabeça para fitá-la.

─ Praticamente isso.

─ Mas eu vi o papai chorando muito. Ele não sabe que é só um sonho e que já, já eu acordo?

Respirei fundo, pensando.

Sempre imaginei que um dia chegaria a ter todas as respostas, no entanto, os desígnios do meu pai são, em sua maioria, apenas uma questão de viver sem perguntar; confiar.

E eu confiava plenamente nele.

Celeste ter adoecido não enfraqueceu minha fé, muito embora tenha desencadeado certo desespero.

Estive com ela em todos os momentos e não a deixei sentir nada.

Só era uma pena que o resto das pessoas não soubesse disso...

─ O Ruggero entenderá cedo ou tarde que foi só um momento, Cel.

─ Ele vai entender que está tudo bem comigo?

─ Claro. ─ Agachei-me ao seu lado, encarando-a. ─ Você sempre esteve bem, segura e muito amada. Às vezes algumas coisas acontecem para que nos abram outras portas, novas oportunidades, para que haja recomeços...

─ Aquela moça bonita vai me ajudar?

Assenti, sorrindo.

─ Ela vai te devolver uma boa parcela de vida.

Celeste concordou, mesmo sem entender direito.

Débora, Ruggero e Karol...

Quantos recomeços cabem numa reencarnação? Quantas chances mais irão precisar para entender que são unidos através da linha do destino? Celeste foi um ponto em comum que derrubou o orgulho, a soberba, a raiva...

Os fins podem não justificar os meios, mas entendo o meu pai. Ele nunca desiste de um filho.

Débora teve uma boa chance.

─ Ela é minha amiga, então?

─ Ela é alguém que precisa de amor. ─ Respondi. ─ Ela precisa de muito amor, Celeste.

─ Essa moça não tem pai e mãe?

─ Ela tem, mas eles não foram muito legais.

Celeste ponderou um pouco, então soltou a minha mão, indo até o outro lado do quarto.

─ E o meu papai e a Karol não podem ajudá-la?

Fiquei de pé.

─ É complicado, Cel. É muito complicado. Mas eu rezo para que sim. Rezo para que o ressentimento não seja maior. Que a dádiva de amar caia sobre todos os corações.

Minha pequena protegida subiu numa cadeira e cruzou as perninhas, olhando para as próprias mãos.

Fui para perto dela e me sentei no chão, puxando os joelhos para perto do meu peito.

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