Dez

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Ruggero P.

Acordei quando o sol estava nascendo e pulei pra fora da cama. O suor escorria pelas minhas costas nuas e empapava o cós do meu calção; meus cabelos estavam colados na minha testa, como se eu tivesse acabado de tomar banho.
Porém, havia sido apenas mais um dos tantos pesadelos que tenho tido no decorrer dos anos.

Abri as janelas e percebi que diferente do abafado do quarto, lá fora o vento estava forte e gelado, talvez pela chuva fraquinha que caia, levantando um cheiro penetrante de terra molhada.

Apoiei-me no peitoril e fechei os olhos.

Débora, o que você ainda quer de mim? Já não basta tudo o que você levou? Porque ainda continua nos meus sonhos? Porque perturba minha sanidade?
Isso não é justo. Não é.

Umedeci os lábios e abri os olhos, suspirando pesadamente.

Você está sempre pairando sobre as minhas feridas, pronta para inflamá-las novamente.
Porque você teima em corroer tudo o que sobrou de mim?
Esses malditos pesadelos!

Olhei para o sol que vinha sorrateiramente nascendo, esbanjando um tom laranja exuberante.
O mar se derramava com majestade, debulhava-se em pequenas ondas...

Às vezes eu queria não me odiar, às vezes eu queria não sentir raiva de você. Raiva e amor.
Débora...
Sempre odiei com todas as forças como você enlouquece os meus sentimentos. É sempre tudo ou nada. Você nunca me deu escolhas, agora vejo isso.

Tem dias que eu sinto a sua falta, porque eu ainda amo você. Mas tem dias que eu desejo que você esteja no inferno, porém, sempre que eu desejo isso, é como se eu mesmo estivesse no meu próprio inferno, dançando com as minhas culpas, queimando nos meus erros, sendo massacrado pelos pecados absurdos que cometi, por sua culpa.

E agora a culpa é minha também.

Maldição!

Entrelacei as mãos na nuca e dei a meia volta, zanzando pelo quarto, acalmando meu peito acelerado.

─ Que merda! ─ Resmunguei. ─ Será que isso nunca vai acabar?

Desvencilhei as mãos e passei uma delas pelo rosto úmido, fitando meu roupeiro.

Dentre os pensamentos em que Débora povoava, no ínfimo espaço de luz, havia uma outra pessoa que começava a rondar meu juízo, pondo à prova minhas forças, minhas crenças e tudo o que criei para ser um solo seguro para pisar.

Era como se eu tivesse saindo dos eixos desde o dia em que essa outra pessoa atravessou o meu caminho.

Mas eu não queria e não ia pensar nisso. Não tenho nem cabeça nesse momento da minha vida.

─ Droga. ─ Murmurei ao ser vencido pela minha covardia. Fui até meu roupeiro e o abri, retirando algumas peças de roupa até encontrar uma caixa pequena e pesada, feita com madeira envernizada que foi da minha mãe, mas que agora servia apenas como uma fenda do tempo, guardando coisas que me faziam ir para um passado não tão distante.

Levei a caixa até a cama e me sentei, levantando a tampa e fitando alguns envelopes de cartas.

Aqueles envelopes eu conhecia muito bem, não só porque a maioria fui eu que comprei e escrevi o remetente e destinatário, mas porque a outra metade foi dirigida a mim, quando Débora ainda estava aqui, um pouco antes de nos casarmos.
Era assim que nos comunicávamos, até que ela veio morar na ilha comigo.

Retirei as cartas de dentro da caixa e as coloquei sobre o lençol abarrotado, depois prendi o fôlego, tocando com a ponta dos dedos no que restou...

No que ficou.

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