Sete

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Cassiel dos Anjos

Há um questionamento pairando sobre a minha cabeça parcialmente careca: Não seria pecado beber vinho, seria?
Digo, foi meu amado irmão que transformou sangue em vinho, então, tecnicamente, é uma bebida sagrada, correto?

Eu só preciso de um golinho. Um gole rápido e que faça meu corpo inteiro voltar a si.

Até minhas asas ainda estão tremendo.

Poxa, eu sei que adormeci no meio da aula de Assistência Angelical e que foi errado, mas quando eu iria pensar que passaria por uma coisa dessas?
Ok, já outros irmãos intercedendo em momentos assim, mas isso nunca aconteceu comigo. Pelo menos não assim. Foi tão abrupto.

Ela não ouvia meus chamados, não fui capaz sequer de entrar em seus pensamentos.

Eu disse ao Meu Pai que não estava apto para essa missão.

Foi por tão, tão pouco...

Se eu tivesse sido meio segundo mais lento, tudo estaria acabado...

Ainda me custa lembrar a forma como consegui empurrá-la para uma direção e, quase ao mesmo tempo, desviar a caminhonete, fazendo o possível para que Ruggero não saísse voando pelo vidro da frente.

Não tenho emocional pra isso, não!

Pousei a mão sobre o meu peito e tentei respirar mais devagar, afinal ambos estavam bem.

Fiquei tão atordoado que quase deixei passar o modo como Ruggero a acolheu, envolvendo-a em seus braços, empurrando para outra dimensão as dores e mazelas que aquela menina carregava dentro de si.
Ah se ele tivesse noção de como as almas dos dois precisava daquilo... Uma gritava pela outra.

Uma luz dourada os rodeava enquanto estavam um nos braços do outro.

Sim, Bruno tinha razão quando falou sobre o universo se alinhar quando estamos nos braços de quem amamos. É exatamente isso. Nós, os anjos, até sentimos a força daquela sensação, daquele vão momento que nunca se apaga.

Literalmente os anjos dizem "amém". (lê-se aqui uma risadinha minha. Perdão, Pai.)

Eu fui seguindo Ruggero para a pousada, porque ele a tinha posto nos braços, apesar de estar com a testa ensangüentada.
Mesmo assim ele a levou para a pousada, negando-se a deixar que qualquer outra pessoa fizesse isso, afinal, infelizmente, ela acabou desmaiando.

Karol estava há muito tempo afundada numa melancolia que era cada vez mais brutal. Ninguém notou sua depressão, ela simplesmente seguia o bando, arrumava confusões, tentava se preencher, fazer sentido...
Mas saia cada vez mais vazia, oca.

Era de se imaginar que chegaria ao limite.

Eu não entendia porque ninguém percebia como ela estava definhando! Eu não entendia e não aceitava.
Meu Pai tentou me explicar que algumas pessoas disfarçam suas dores e camuflam seus sentimentos, por já estarem extremamente feridas e que, desta forma, os demais que estão a sua volta não notam a tristeza perambulando pelo olhar dessas pessoas.

Tudo bem, eu entendi as palavras dele, mas podia ser até inocência minha, porém, era difícil digerir o fato de que as pessoas não olham uma no olho da outra, que não se preocupam, que se deixam engolir pela correria do dia a dia, que esquecem o real motivo de estarem aqui...
E, vivendo desta forma, é que perdemos pessoas maravilhosas...

Não culpo quem ficou, mas desejo que aprendam a ouvir o socorro, mesmo quando ele vem camuflado de um sorriso.
Eu queria pedir que olhassem para os olhos, porque um sorriso só é sincero quando alcança os olhos.

AMAROnde histórias criam vida. Descubra agora