Inconsolável

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"Baby, I don't want to waste another day (Baby, eu não quero desperdiçar outro dia)
Keeping it inside, it's killing me (Manter isso aqui dentro está me matando)
'Cause all I ever want, it comes right down to you (Porque tudo que eu sempre quis
acaba convergindo pra você)
I wish that I could find the words to say (Eu queria encontrar as palavras para dizer)
Baby I would tell you every time you leave (Baby, eu te diria toda vez que você vai
embora)
I'm inconsolable (Eu fico inconsolável)

Inconsolable – Backstreet Boys




Jimin

Eu mal havia conseguido pregar os olhos durante a noite. Nas poucas vezes em que consegui cochilar, acordava sobressaltado minutos depois, atormentada por pesadelos ou acreditando ter ouvido algum barulho que pudesse indicar que Howie estava voltando pra casa. Levantei-me bem mais cedo do que precisava e fui checar minhas mensagens e redes sociais para ver se havia alguma notícia sobre o Howie. Novamente, encontrei apenas mensagens de pessoas fazendo perguntas, desejando força... Conseguia compreender a boa intenção daquelas pessoas, mas nada disso me ajudava de forma concreta.
Não consegui comer nada, então apenas tomei um banho, vesti uma roupa bem quente – novamente, fazia frio nesse dia – e saí, com meus cabelos lisos ainda úmidos. Minha intenção era, antes de ir para o trabalho, dar mais algumas voltas nos arredores do local onde estava quando Howie fugiu no dia anterior. Desci até o térreo e, antes mesmo que a porta do elevador chegasse a se abrir por completo, consegui ouvir vozes no hall que pareciam indicar uma briga. E era exatamente isso.

Quando a porta se abriu, encontrei minha insuportável vizinha da frente, acompanhada de seu igualmente insuportável marido, ambos falando em voz alta, completamente exaltados, com o síndico do prédio, aparentemente alguma reclamação com relação ao porteiro. Sr. Han estava abaixado próximo à escada, acariciando o cachorro que ainda estava ali.
Já compreendendo qual era o assunto, vi-me obrigada a intervir:
—   O pobre cão estava passando frio na rua, o Sr. Han apenas deixou que ele passasse a noite aqui dentro, na portaria. Como isso pode incomodar alguém?
—     Isso aqui não é lugar para cachorro! — o nojento do marido resmungou, com a grosseria que já lhe era cotidiana. — Ele veio da rua, pode trazer pulgas, doenças.
—   Sem contar que é um perigo para as nossas crianças! — A mulher concordou. Até onde eu sabia, os filhos deles já eram adultos e casados, nem moravam ali. — Imagine se esse bicho ataca algum deles, quem vai se responsabilizar?
—   Os senhores têm razão — quem falou foi o babaca do síndico. E eu não esperava realmente nada mais corajoso vindo dele. Era um bundão! — Han teve uma boa intenção em abrigá-lo por essa noite, mas agora ele vai voltar para o lugar de onde veio.
Ele mal começou a enxotar o cachorro e eu o detive, colocando-me na frente dele.
—    Até onde eu saiba, ao contrário do desejo de vocês, nesse prédio não está proibido ter animais — falei, encarando o casal que estava logo atrás do síndico.
—   Isso não é um animal de estimação! — rebateu a mulher, num tom de nojo. — É um vira-lata sujo e sarnento sem dono.
—      Bem, se era assim... Não é mais. — Segurei a guia do cão, puxando-o para perto de mim. — Ele vai ficar comigo. — Ao menos até eu encontrar um adotante ou outro lar temporário para ele, claro. Não sabia se Howie se adaptaria bem com um cachorro.
Seria outro problema enorme para resolver. Mas, naquele momento, não podia permitir que jogassem o pobre animal de volta na rua, ainda mais com o frio que fazia.
Voltei ao elevador sob os protestos dos vizinhos insuportáveis, o silêncio do síndico e o olhar cúmplice do Sr. Han. Voltei ao meu apartamento e soltei o cachorro na sala. Sentindo-se bem à vontade, ele correu diretamente até o sofá, onde subiu e se acomodou confortavelmente.
—     Espera, vamos estabelecer alguns limites aqui, rapazinho. Para começar, nada de sofá.
Puxei-o pela coleira de volta para o tapete e dei-lhe uma almofada para que se acomodasse melhor. O fato de ele estar com uma coleira indicava que em algum momento tivera uma família. Talvez não estivesse abandonado, mas perdido, assim como o Howie. Se fosse esse o caso, eu daria um jeito de encontrar os donos. Só precisava fazer isso rápido, pois logo meu gato estaria de volta.
Em um pulo, ele voltou para o sofá. Bufando, puxei-o de volta para o
chão.
—    Certo. Como eu já falei: nada de sofá. Você pode ficar aqui no
tapete, olha. Tem até uma almofada pra você. O que mais você precisa?
...Claro, água! — Fui até a cozinha e peguei uma tigela no armário, enchendo-a com água do filtro. Quando voltei com ela para a sala e pus no chão, o bichinho bebeu em uma grande quantidade. Estava mesmo com bastante sede, pobrezinho. — Deve estar com fome também, não é? Mas eu só tenho comida de gato, e... são seis da manhã. Onde vou arrumar ração pra você a uma hora dessas?
Terminando de beber água, ele voltou a se deitar no tapete, dessa vez fazendo charme com a barriguinha para cima. Em meio a toda aquela tensão, eu enfim consegui sorrir e abaixei-me ao seu lado, passando a mão por sua barriga.
—   Olha só, garoto... — Dei uma indiscreta olhada, percebendo meu engano no gênero usado. — Certo... então você é uma garota, não é? Você pode ficar aqui até amanhã. Tenho certeza de que ainda hoje encontrarei o Howie, e... acho que ele nunca teve contato com um cachorro, então não sei bem como ele vai reagir com você aqui. Mas eu não vou te deixar voltar pra rua, tá? Vou arrumar um lar pra você. Um bem legal, bem melhor do que o último que você teve e que te abandonou. Mas agora eu preciso ir trabalhar, então você vai ter que ficar boazinha, tá? A caixa de areia do Howie está na área de serviço, será que você poderia usá-la para as suas necessidades, ou... Aff, é claro que não vai usar, não é? Tudo bem, eu limpo o que tiver que limpar quando voltar. Apenas seja uma boa menina e não fique latindo para incomodar os vizinhos chatos, tá? E... Bem, eu ainda preciso arranjar comida pra você.
Como se para me salvar, a campainha tocou. Estranhei que não tivessem me interfonado da portaria para anunciarem a visita, mas corri para abrir a porta aflita, numa esperança de que realmente ali estaria a minha salvação. E foi o que aconteceu. Era o Sr. Han, trazendo em mãos um saco de ração.
—    Achei que fosse precisar disso. — Joguei-me nos braços dele, abraçando-o com força. — Calma, Seu Jimin. Estou largando agora o meu turno, e como moro aqui perto, corri em casa e peguei um pouco da ração dos meus cães. Não é muito, mas deve dar pra hoje e amanhã, pelo menos.
—   Já é mais do que suficiente, Seu Han. Obrigada! Mas... o senhor disse que tem cães? Não quer ficar com ela?
—     Eu adoraria, Seu Jimin. Mas já tenho quatro cachorros em casa, e minha mulher já me avisou que se eu aparecer com mais algum, ela me coloca pra fora de casa.
—     Eu entendo. Mas... se conhecer alguém que queira ficar com ela...
—   Sim, eu aviso. Mas... Achei que você iria ficar com ela.
—   Eu não posso. Eu tenho o Howie, e ele logo estará de volta.
Sr. Han concordou, embora eu percebesse em seus olhos que ele tinha dúvidas de que aquilo realmente fosse acontecer. E isso fez o meu coração apertar ainda mais.

Embora tenha rodado toda a área no entorno do local de onde Howie fugiu, não encontrei nem o menor sinal dele. Como ainda estava muito cedo, o comércio ainda estava fechado e não consegui conversar com os lojistas para pedir para ficarem de olho caso vissem meu gatinho perdido. Pretendia voltar lá no horário do almoço para fazer isso. Morava em uma cidade relativamente pequena. Não era possível que ninguém visse o Howie!
Eu trabalhava no setor de Marketing de uma empresa situada próxima ao Centro da cidade. Logo que cheguei, avistei meu amigo Taehyung sentado diante da minha mesa, mexendo distraído no celular. Como de costume, ele chegava alguns minutos adiantado e ficava me esperando para tomarmos café juntos enquanto aguardávamos o início do horário de expediente.
—        Bom dia — cumprimentei com desânimo, logo que me aproximei.
Taehyung me olhou rapidamente, voltando em seguida os olhos para a tela do celular, enquanto falava:
—   Jimin, que bom que chegou. Nossa, você não morre mais, ia agora mesmo te encaminhar uma mensagem que recebi no celular. Pode ser que seja tudo mentira, mas é melhor prevenir, né? Já que você tem um gatinho, é bom ficar alerta. Estão contando sobre umas pessoas na cidade que pegam cães e gatos para realizar rituais macabros. Sabe, eles pegam os bichinhos, e...
—      O Howie fugiu — contei em um só fôlego, antes que ele prosseguisse com aquela história sinistra que, apesar de eu saber que na certa não era nada além de uma lenda urbana ridícula, realmente não gostaria de ouvir naquele momento para não entrar na neurose de pensar que alguém pudesse ter feito alguma maldade com o meu bebê.
—    Ai, meu Deus... como isso, Jimin? — Ele se levantou, girando a cadeira para que eu me sentasse. — Senta aqui, conversa comigo. Cê tá bem?
Ele me fez realmente me sentar e abaixou-se à minha frente, preocupado. Tae era um ótimo amigo. Dávamo-nos muito bem, apesar da diferença de idade – ele tinha apenas vinte e um anos. Dividíamos o amor pelos animais. Ele tinha três cachorros e uns dez gatos. Contudo, ao contrário de mim, morava em uma casa grande, com bastante espaço para tantos bichos, e vivia com os pais já aposentados, que podiam cuidar dos animais enquanto ele estava no trabalho. O Howie não precisava de tanto espaço assim, e ficava bem sozinho durante oito horas por dia. Sabia que cachorros eram bem mais carentes.
Mas por que eu estava pensando naquilo? Ficar com aquela cadela não era uma opção pra mim naquele momento.
Tomei fôlego para começar a contar como tudo tinha acontecido, mas Yoongi – meu outro amigo do setor – chegou nesse momento, também com os olhos vidrados no celular.
—      Pessoal, vocês já viram esse troço que tão repassando por mensagem? Tem um grupo de loucos de uma seita bizarra matando animais em sacrifício. Parece que a cor do pelo e o tamanho do cachorro ou do gato tem que estar de acordo com o pedido que eles querem fazer. Quando querem dinheiro, por exemplo, usam gatos malh... ei, Taehyung, você está se sentindo bem?
Após dar um tapa no braço do nosso amigo, Taehyung o advertiu:
—   Cala a boca, idiota! O Howie fugiu!
—      Howie? — Ele franziu a testa, intrigado. — O carinha dos Backstreet Boys?
—   Não! O gato malhado do Jimin!.
Yoongi me olhou e, após poucos instantes, pareceu se dar conta do que tinha acabado de fazer.
—     Mas... é claro que isso é uma grande mentira, as pessoas saem repassando sem checar as fontes, e... Tudo bobagem, imagina! Ei, Jimin, como você está?
—    Digamos que correntes de whatsapp sobre assassinos de gatinhos malhados não são exatamente um calmante para um momento assim.
—   Desculpa, Jimin! — ele realmente estava sentido por seu comentário. Yoongi era um cara muito legal e, apesar de conhecê-lo há poucos meses, já o considerava um amigo.
—   É, desculpa. — Taehyung também se lamentou. — Tem algo que a gente possa fazer para ajudar?
—     Não. Digo, tem... Se puderem me ajudar a divulgar o anúncio sobre o desaparecimento dele. E... eu queria muito poder sair mais cedo hoje, para procurar um pouco mais pelas ruas.
—       Fica tranquilo, a gente te cobre hoje — Taehyung garantiu, segurando a minha mão.
—   Fico devendo uma pra vocês.
Ajeitei-me na minha mesa e chequei as horas no relógio de parede. Ainda eram sete da manhã. Sentia que aquele dia levaria uma eternidade para passar.

As Long As You Love MeOnde histórias criam vida. Descubra agora