C͜͡a͜͡p͜͡í͜͡t͜͡u͜͡l͜͡o͜͡ - X͜͡I͜͡V͜͡

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O quinto dia de céu nublado em São Paulo era semelhante ao que acontecia dentro de duas pessoas que habitavam a cidade e ao mesmo tempo habitavam uma a outra. Cinco dias depois da primeira entrega, cinco dias depois das primeiras demonstrações de um outro tipo de afeto, tudo estava ainda mais confuso do que antes daquela noite.


Rafaella tivera suas dúvidas tiradas com aquele primeiro beijo de iniciativa mútua e os outros que partiram de Bianca, mas todas elas voltaram de modo triplicado quando no dia seguinte não obteve nem sinal de vida da outra. E nem no outro dia. Quando o terceiro estava se aproximando, aquele momento que a tirou do caos a empurrou de volta para um precipício forrado de perguntas sem respostas que ela não poderia encontrar sozinha. As mensagens que comumente mandava foram ignoradas, e não havia outro interesse a não ser apenas saber se estava tudo bem na única ligação que fez e em noventa e seis horas não fora retornada.


Bianca tinha a beijado e sumido após isso.


Quando Rafaella estava começando a entender o que as pessoas chamam de paixão e estava com algumas dúvidas sobre, ainda estava tudo bem, eram apenas dúvidas comuns, o maior problema era que todas essas dúvidas sumiram por algumas horas e no dia seguinte voltaram trazendo com elas outras dúvidas e sentimentos negativos. Estava se perguntando o tempo todo o motivo. Bianca havia dito perfeitamente que se fosse errado, podiam consertar depois, mas em nenhum momento foi esclarecido como errado, e mesmo se fosse, esse não era o modo certo de consertar. Buscou na sua memória se havia feito algo errado, mas na última vez em que se falaram, Bianca havia dito também — mais uma vez — que estava grata. Aquele último beijo no carro em frente ao prédio não era para ter sido um beijo de despedida como se o que aconteceu fosse para ser esquecido. Quando Rafaella disse que precisariam conversar sobre o ocorrido, só gostaria de deixar tudo esclarecido caso viesse acontecer outra vez, que era o que queria e esperava.


Antes achava que aquelas suas pequenas dúvidas a estavam consumindo, até provar dessas e perceber que existiam piores.


Estava sentada em seu escritório no fim do dia olhando diretamente para o manequim no canto da sala que dessa vez não tinha um vestido preto com mangas de renda. Seu coração tinha passado a bater mais rápido a praticamente um metro de onde sua cadeira ficava. Podia reviver aquela noite toda vez que fechava os olhos, por mais que aquilo estava começando a incomodar demais. Maldizia a si mesma por estar com saudade do gosto do beijo dela, por estar com saudade do seu perfume e do modo como ela havia a tocado naquela noite mesmo que não envolvia quaisquer segundas intenções.


Tinha sido puro.


Puro e pelo visto jogado fora.


Horas mais tarde, quando a tonalidade escura do céu sobrepunha a cidade, Rafaella estava sozinha outra vez no seu canto quase a parte do resto do mundo. Apoiada no parapeito como de costume, assistia de longe a vida de incontáveis pessoas que do alto pareciam minúsculas; estava se sentindo tão pequena quanto.


Era a primeira vez que de fato deixava alguém a invadir tanto assim; estava completamente tomada por alguém que aparentemente havia lhe dado apenas alguns beijos e não voltado mais. Podia ser qualquer outra pessoa fazendo isso, não se importaria nem um pouco, até porque já havia passado diversas vezes por um envolvimento de apenas uma noite e nunca mais, mas não tinha qualquer sentimento no meio de tudo, era apenas suas necessidades carnais sendo satisfeitas, entretanto, não era qualquer uma dessa vez, era Bianca, a queria de novo do mesmo jeito da madrugada no seu escritório, do mesmo jeito de dentro do seu carro às três da manhã, e não ter sem nem saber o motivo foi um choque, como se aquelas horas tivessem sido vividas apenas para serem guardadas e lembradas mas não repetidas.


As Folhas do OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora