1 - Mudança Nenhuma

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A chuva no fim da tarde deixa o clima com um tom um pouco melancólico.

Mas eu gosto.

Frio lembra-me cobertor quentinho, meias e café. Encosto a testa no vidro da janela, observando a chuva que cai lá fora de forma serena e constante, cobrindo a paisagem como uma cortina de tecido fino.

Desço as escadas que me levam até a sala da minha casa e viro à esquerda, em direção à cozinha onde meu irmão preparava o café. Meu irmão, Mark Volant, desenvolveu geocinese aos dezesseis anos (um pouco precoce talvez), ele controla elementos da terra: pedras, areia... Ele faz uma espécie de voo sem sair do chão. Na verdade ele faz pedaço do chão levitar. Não sei bem descrever.

– Suas pedrinhas voadoras trouxeram esse pacote de café até aqui, ou você foi comprar no supermercado? – Eu pergunto em tom sarcástico.

– Fica tranquila porque a mesma pedrinha que trouxe levou o dinheiro pra pagar! – Disse ele piscando pra mim e dando uma risadinha. Mark não era muito maduro com suas habilidades logo de inicio, ele costumava roubar coisas, ou como ele dizia: "Testar habilidades para conhecimento pessoal". Mas com o tempo ele entendeu que só porque ele conseguia fazer, não significa que ele devia fazer.

Além de ser um crime.

– Usar habilidades pra comprar café? Ah, vocês me deixam com sono. – Disse minha mãe, Mariah Volant, sentada à mesa fingindo que estava bocejando. Vejo de relance, atrás dela, a foto do meu pai conosco numa viagem ao sul do país, passando no porta retrato digital. – Quando vocês puderem entrar numa sala de cinema de graça, me avisem!

– Quando as pessoas pararem de colocar lixo em cima de você por engano, me avise! – Eu podia ver minha mãe se preparando para dar uma boa resposta ao comentário de Mark, mas acho que ela não tinha o que dizer... Sem o uso de palavras, ela respondeu com uma revirada de olhos e um sorrisinho de lado de "Ok, você está certo, mas não quero admitir".

– A discussão está superinteressante. – Interrompo, pegando café da máquina de bebidas. A fumaça saía da xícara e dançava no ar até sumir trazendo o cheiro tranquilizador da cafeína até minhas narinas. – Mas eu tenho que ir arrumar algumas coisas para a escola amanhã. – Digo subindo as escadas de volta para o meu quarto.

Na verdade eu não tinha nada pra arrumar, é só que assuntos sobre habilidades me causam certo desconforto e quando eu estou sozinha comigo mesma, eu não preciso fingir que não estou pensando sobre isso a cada minuto.

Eu sei lá, é só que... Já era para eu ter minhas habilidades desenvolvidas. Fiz dezessete anos ha alguns meses atrás, idade em que geralmente as habilidades já são intensas. Mas no meu caso, nada! Nenhum reflexo, nenhuma mudança. Nada! Apenas a sensação de cansaço e ansiedade constante durante o dia inteiro por pensar demais e por saber que o tempo está passando.

Há pessoas que nascem sem habilidades. O corpo delas não se desenvolveu como o da maioria. É um tipo de atraso biológico que impede que elas a tenham. As habilidades são destravadas pelo seu maior medo, e agem como uma forma de defesa contra ele. Meu irmão, por exemplo, que tem habilidades geocinéticas, tinha medo de desastres naturais envolvendo a terra, como terremotos. Isso foi por causa do dia em que ele ficou preso numa caverna em uma viagem que fizemos, e para o seu azar um terremoto começou enquanto ele ainda estava lá. Esse episódio gerou um trauma que acabou destravando as habilidades dele para combater esse medo como mecanismo de defesa.

Eu tenho medo de algumas coisas, talvez até mais do que eu sou capaz de admitir. Minha falta de habilidades não é por bloqueio meu então não sei qual a raiz desse problema. Mas se serve de paradoxo, tenho medo de não tê-las...

Isso poderia me custar muita coisa.

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