21
No outro dia, levanto-me e visto uma legging preta, e uma camisa marfim. Amarro meu cabelo num coque alto e vou até o centro da liga. Penso se Yara me acharia uma pessoa mais confiável se eu parecesse mais adulta, e no fim, concluo que só vou saber na hora.
Sigo o extenso corredor e vou até a ala infantil. Encontro uma das cuidadoras, uma mulher de cabelos grisalhos e a pele levemente enrugada, ela parecia ter uns cento e trinta anos.
– Oi! – Aceno. – Desculpe incomodar, você conhece Yara Valentin?
– A irmã do soldado? Claro. – Ela sorri. – Ela está sentada ali desenhando. – Aponta para o fundo da sala onde uma garotinha loira esta inclinada sobre a mesa.
– Obrigada! – Sorrio.
Aproximo-me de Yara enquanto penso em algo para falar. O que se diz a uma criança? Eu poderia puxar um assunto sobre o desenho, ou sobre algum brinquedo. Mas o que se diz uma criança que acaba de perder a única família que ela tinha? Não sei se tem brinquedos que possam resolver isso.
– Oi! – Sorrio para ela, abaixo-me para ficar a sua altura. – Que desenho lindo está fazendo!
Ela nem chega a olhar para mim.
– Obrigada.
Olho de um lado para o outro pensando em outra coisa que me daria uma deixa para puxar assunto.
– Se importa se eu desenhasse também? – Pergunto. Ela balança a cabeça dizendo que não. Seus cabelos cobrem metade do seu rosto.
Pego uma folha e começo a desenhar uma casa, coloco uma árvore e um balanço, como na minha antiga casa.
– Por que sua árvore não tem rosto? – Ela pergunta examinando meu desenho e franzindo a testa.
– Bem... – A resposta parecia um pouco óbvia para mim. – A maioria delas não tem rosto, então desenhei apenas as folhas.
– Mas não é assim. – Protesta. – As árvores crescem, eu vi, e a gente também cresce, mas a gente tem rosto, e por que elas não? Cachorro tem rosto, peixe tem rosto, passarinho tem rosto, então árvores também tem que ter.
Sorrio pela conclusão dela. Mesmo que não fosse real, ela tinha certa lógica na sua linha de raciocínio.
Talvez algumas coisas não precisem da logica para ter sentido.
– Ok. – Digo. – Tem razão. – Em seguida desenho olhos e boca na árvore.
– Falta o nariz! Árvores também respiram, todo mundo respira. – Nessa parte ela tinha razão. Ela pega uma caneta preta com sua mãozinha e desenha um pequeno traço entre os olhos e a boca. – Agora está melhor.
Admiro nossa obra de arte que consistia em uma casa e uma arvore importante com olhos, boca e nariz. Aquele desenho representava um pouco do que eu sentia em relação a onde eu morava. De fato a arvore não tinha olhos nem boca e nem nariz, mas ela era uma parte viva da minha história. Todo o momento que passei no jardim, cada segredo que eu deixei ali, era como se realmente a árvore fosse alguém com olhos e ouvidos.
Joseph me contou um pouco sobre a história dele e de Yara, mas não me contou sobre como ela era inteligente.
– O que vai fazer depois daqui? – Devia ser uma pergunta meio estranha para uma criança, geralmente elas não fazem planos.
– Humm. – Ela descansa o queixo sobre as mãos numa posição pensativa – Eu não sei. Antes eu iria jantar com o Joph, mas a tia Clara me disse que ele não vai mais voltar. – Ela fala num tom melancólico – Agora não tenho ninguém para jantar comigo.
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Os Exilados
Science FictionNo futuro pós-colonização de Marte, onde 80% das pessoas possuem habilidades sobre-humanas, ser parte da minoria pode ser fatal. Ellena é uma jovem que teme a terrível deportação para a Ilha do Sul, lar dos sem-habilidades. Mas quando alguém do pass...