16. Mi Bién

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René andava apressada ao meu lado tentando acompanhar meus passos largos. Minhas mãos suavam, o ar faltava em meus pulmões, meu coração martelava em meu peito e meus ombros estavam mais tensos que antes.
Eu não tinha ideia do porque não estava correndo para as montanhas assim que ouvi "Gale" e "te procurando" juntos na mesma frase, mas antes que eu percebesse já estava praticamente correndo até o portão principal. Eu sentia uma necessidade fora do comum de saber o que ele queria comigo, afinal, nem quando namorávamos ele vinha me ver no colégio - ou em qualquer outro lugar público.

Assim que cheguei as escadas que davam para a fachada do Gardenia, pude vê-lo andando em círculos no lado de dentro do portão. Parei bruscamente ao pé do primeiro degrau, eu respirava o mais fundo que conseguia tentando buscar o oxigênio - e o foco - que me faltava.

Não sabia como me preparar para isso, tinha medo que a avalanche de sentimentos me dominasse e eu esquecesse meu raciocínio e fizesse escolhas erradas com a pressão do momento. Querendo ou não eu amei o Gale por muito tempo, tempo demais para que eu tivesse a plena consciência do efeito que as palavras doces dele tinham em cima do meu coração fraco e sensível, e embora o motivo que nos fez terminar não tenha sido nada amigável, eu só não voltei correndo para ele na época porque ele fez questão de sumir da minha vida primeiro.

- Ei - René tocou meu antebraço enquanto eu o encarava sem piscar - você sabe muito bem que não precisa fazer isso, né?

Eu a olhei, podia ver o quão preocupada ela estava. René esteve comigo durante todo o tempo em que estive com Gale e também quando já não estávamos mais juntos, ela e Skye suportaram comigo grande parte da barra pesada que passei depois do término, não foi fácil e nós dois sabíamos que um dos lados poderia sair bem machucado com essa história. E provavelmente seria eu.

- Vou me cuidar - sorri levemente tentando não a preocupar, não adiantou muito e sua expressão não mudou uma linha.

René recolheu sua mão lenta e hesitantemente, eu já estava ali, não tinha muito como recuar.
Olhei para frente, respirei fundo e comecei a descer as escadas um degrau de cada vez. Eu não poderia adiar isso. Se ele quer falar comigo, vamos resolver isso logo.

Fui andando em sua direção, ele estava de costas com as mãos atrás do pescoço. Quando já estava próximo o suficiente dele, parei.

- Gale - minha voz soou baixa e relutante.

Ele imediatamente virou-se para mim e quando pude ver seu rosto por completo, quando seus olhos pararam nos meus, minha ficha caiu de que ele de fato estava ali.

Ele não havia mudado muito desde a última vez que o vi há quase quatro meses atrás. Seus olhos verdes destacados em sua pele morena clara, os cabelos lisos castanho escuro - agora um pouco mais compridos - jogados para o lado de forma desajeitada, e até mesmo sua jaqueta de couro marrom avermelhada, que eu perdi as contas de quantas vezes ficou em minha casa, estava ali.
Gale era apenas um ano mais velho que eu e apesar de não parecer completamente diferente de antes, nossa idade parecia distinta demais.

Antes mesmo que eu pudesse ouvir algo sair de sua boca, ele lançou seus braços ao meu redor e me abraçou forte.

- Adrien é mesmo você - ele sussurrava enquanto enterrava sua cabeça na curva de meu pescoço - eu senti tanto sua falta.

Era inacreditável.
Por mais de dois meses eu passei horas trancado no meu quarto imaginando como seria quando eu o visse de novo, como seria se ele se arrependesse e me quisesse de volta, como seria sentir seu abraço caloroso me envolver outra vez, sua voz em meu ouvido, sua pele na minha, seu olhar no meu com a delicadeza como da primeira vez em que ficamos juntos, e no final de todas essas possibilidades que eu criava para satisfazer minha necessidade de tê-lo comigo o final era sempre o mesmo: eu voltava para ele por que eu meu amor era maior que qualquer remorso que eu poderia sentir.

Mas agora que aconteceu, era totalmente diferente.

Eu estava congelado. Meus braços não se mexeram nem um mísero centímetro para abraçá-lo de volta, muito pelo contrário, me sentia sufocado, agoniado, preso nas lembranças tristes das férias passadas e no quanto me culpei por ter terminado com ele.

Percebendo que eu não reagia, Gale soltou-se de mim e me olhou confuso.

- Eu te mandei uma DM hoje de manhã, supus que você não veria então vim mesmo assim porque eu precisava tirar do meu peito o que está me incomodando.
- Era você... - murmurei me lembrando de mais cedo - Eu achei que nunca mais te veria.
- Eu estou aqui, não estou? - ele sorriu - eu amo você, Adrien!

Eu o encarava assustado tentando achar sentido em suas palavras, eu ainda não entendia o que ele queria comigo, era isso? Ele queria dizer que me amava? Já era inacreditável o suficiente ele ter vindo até aqui.

- V-você não vai dizer nada? - ele gaguejou - Você também me ama não é? Eu sei que sim!

Ele segurou uma de minhas mãos, instintivamente tentei me soltar, mas ele me impediu colocando sua outra mão por cima.

- Por favor fala comigo, nem que seja gritando ou me xingando de todos os nomes possíveis, mas fale alguma coisa.
- O que você quer que eu diga? - comecei, sem alterar a voz em nenhum momento, eu não precisaria gritar para lhe dizer o que estava pensando - quer que eu corra para seus braços e esqueça os últimos quatro meses?
- Eu te falei várias vezes que a minha família poderia me enxotar de casa se soubesse que eu namorava outro homem, te dizia isso praticamente todo dia! Mas nunca foi motivo pra que eu não te quisesse!
- Claro que você me queria, porque eu era um brinquedo pra você, namorávamos há pouco mais de um ano mas era como se eu fosse seu amante! E para não manchar sua popularidade, você começou a dormir com todas as mulheres que via pela frente apenas pra manter sua imagem, me fazendo achar que você estava estudando para a prova de admissão da faculdade - as palavras deslizaram da minha boca sem que eu precisasse pensar muito.

- Eu já sei que eu errei, já sei que te magoei! Mas se eu estou aqui hoje é porque eu percebi que não adianta tentar te esquecer com ninguém porque eu te amo de verdade! Olhe só, quando eu teria coragem de vir até o portão da sua escola com milhares de pessoas só pra dizer que te amo?!
- Você me amava tanto que me enganou por mais de UM ano Gale - consegui soltar minha mão - eu nunca te pedi uma declaração pública, nunca pedi que saísse gritando aos quatro ventos que eu era seu namorado, a única coisa que eu queria era que você fosse sincero comigo. Se você me amasse mesmo mas tinha problemas com sua família nós teríamos enfrentado isso juntos, eu também te disse isso várias vezes, mas você preferiu fingir ser hétero pros seus amigos e suas "namoradas" e continuar me usando para sua própria satisfação.

A palavras saíram como uma enxurrada da minha boca, tudo que eu queria dizer a ele eu estava dizendo e o peso nas minhas costas começava a desaparecer, agora eu podia enxergar o quão tóxico o Gale era e o quanto eu desperdicei o meu tempo chorando e me culpando por tê-lo dispensado, quando na verdade quem havia me deixado na primeira vez que ameacei ir embora foi ele. A culpa nunca foi minha, era libertador finalmente perceber.

Gale me olhava impressionado - diria até chocado. Eu não era de brigar, a única vez que eu levantei a voz para ele foi no dia que terminamos e depois disso nunca mais nos falamos, talvez pelo meu histórico de ser passivo até demais ele esperava que seria muito mais fácil me convencer a voltar no mesmo instante que eu o visse.

- Se já terminamos por aqui, se já esclarecemos tudo que tinha pra esclarecer, eu tenho coisas pra fazer e preciso ir pra casa...

Já ia desviando de Gale e indo embora antes que mais pessoas chegassem pra ver o que estava acontecendo por ali, mas ele se colocou a minha frente bloqueando a passagem.

- Eu sinto sua falta mi bién, sinto falta de você arrumando meu cabelo de manhã, sinto falta de dormir na sua casa e comer as panquecas de banana da sua mãe no café de segunda, até do seu gato me arranhando eu sinto falta!
- Gale por favor - olhei para o chão e respirei fundo, as memórias vindo com força e só me machucando mais, de imaginar que enquanto ele estava comigo fazendo todas essas coisas, no dia seguinte ou até no mesmo dia, ele iria me trair com qualquer uma que aparecesse. Não havia mais amor ou beleza nessas lembranças.

- Eu sei que você não me esqueceu Adrien, sei que uma parte de você ainda me ama também - ele apoiou suas duas mãos ao lado de meus braços - estamos livres pra ficar juntos agora, eu saí da casa dos meus pais e desisti de ir pra faculdade esse ano, se você voltar eu prometo por tudo que é mais sagrado que vou te assumir pro mundo inteiro no mesmo instante, vou gritar que eu te amo pra quem quiser ouvir, posso fazer isso agora se você quiser uma prova maior de que eu nunca mais eu vou te dar motivos para ir.

Olhei em volta e várias pessoas assistiam minha "conversa" com Gale. Todos aqueles olhares já estavam começando a me incomodar e eu só consegui me encolher de vergonha.

Gale olhava firme em meus olhos. Ele poderia até estar sendo sincero, mas nada apaga o que passei por conta dele e nem se ele me pedisse em casamento eu teria coragem de voltar, porque agora eu tinha certeza de que já não o amava, mais independente do que ele quisesse fazer para me convencer.

- Eu não quero voltar para ficar com o pé atrás sobre tudo, Gale - disse exausto, eu só queria acabar logo com tudo aquilo - eu estou cansado de brigar por algo que eu já tenho opinião formada, me deixa passar por favor.

Gale ainda não tirava os olhos do meu rosto como se tentasse ler alguma coisa no meu olhar. Já estava pronto pra me soltar na base da força quando em um milésimo de segundo suas mãos migraram do meu braço pro meu rosto e me puxaram pra um beijo forçado.
Meus sentimentos passaram de tristeza para raiva em segundos e minha reação imediata foi empurrá-lo para longe com o máximo de força que pude.

- Seu... O QUE É QUE TE DEU? - Esbravejei enquanto Gale cambaleava para trás.

Já estava com o punho cerrado pronto para socar seu rosto quando alguém veio de trás de mim e o fez primeiro. Gale caiu no chão com a tamanha força do golpe, quando ele ergueu seu rosto novamente, havia uma linha vermelha escorrendo de seu nariz e parte de sua maçã do rosto estava vermelha.

Cartas para Heron HayesOnde histórias criam vida. Descubra agora