8. Natureza Humana

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"Eu vou descobrir quem enviou a carta, pode anotar"
"Se mandou uma, vai mandar outras, nem que eu tenha que mandar a carta para a delegacia pra puxar as digitais"
"Será que é alguém do grêmio? Ou a Violet que morre de inveja da Meredith? Não, talvez a Karen Benner do 2º ano? Vi ela babando no Heron desde que ele chegou..."

Essas e outras declarações de René no caminho para casa rondavam a minha cabeça como passarinhos em desenhos animados enquanto eu mordiscava o mac 'n' cheese da Skye, eu não sabia se me sentia aliviado por ela estar firmemente achando que quem enviou foi uma garota ou se me desesperava com a possibilidade dela acabar descobrindo que fui eu de algum jeito maluco mas infalível, as câmeras de segurança do corredor ainda estão lá e eu não podia fazer nada para destruí-las, se René chegasse a pensar nelas eu não sei onde enfiaria a minha cara!

- AI CHEGA - Skye gritou me tirando de meus pensamentos no susto - eu falei ontem que não ia me meter nos seus assuntos mas você ainda é meu filho e esse silêncio está me deixando maluca!

Pisquei algumas vezes e só então percebi que não falara uma palavra sequer desde que me sentei a mesa junto com a minha mãe.

- Adrien, você está estranho desde o café da manhã, me diz, estou errada em me preocupar?
- Ah desculpa mãe, mesmo, minha cabeça está em outro lugar hoje - passei as mãos pelo rosto.
- Jura? Nem percebi, o macarrão com queijo borrachudo e frio no seu prato também nem percebeu - ela cruzou os braços.
- Skye - ri - só algumas coisas na escola, muitas atividades... sabe, coisa de escola.
- Coisas de escola, sei - ela arqueou uma sobrancelha - sua velha mãe já não é mais uma boa conselheira?
- Sem drama Dona Morgan South, olha, você também não terminou sua janta e vem falar de mim.

Skye olhou para seu prato e riu soprando ar pelo nariz, eu a peguei.

- MAS ISSO NÃO VEM AO CASO - ela ergueu a cabeça rapidamente - a mãe aqui sou eu! Come a sua janta ou o queijo vai ficar mesmo borrachudo e frio.
- Você vai comer também?
- Se meus instintos maternos não continuarem me preocupando, pode contar com este prato vazio em 15 minutos.
- Vou pegar meu celular pra cronometrar então - fiz como que fosse sair da mesa, Skye pegou os talheres de imediato.
- Esquece o que eu disse, come - ela deu uma garfada, me endireitei de volta na mesa e a acompanhei.

O jantar corria bem, até Skye retornar ao assunto passado, de uma forma que ela sequer sabia que retornara.

- Vi o garoto francês da rua de trás chegar de carro junto com a filha mais velha dos Saint-Jones quando voltava do mercado, ela é a namorada que você disse?

Hesitei um pouco antes de responder, tudo que eu menos queria agora era lembrar que o cara que eu enviei uma carta tem namorada, mas Skye não tinha culpa das loucuras que eu arrumo pra minha cabeça e eu já havia sido injusto demais com ela hoje.

- Uhum - balancei a cabeça, Skye ergueu seu garfo.
- Eles não combinam nem um pouco, parece que o coitado está com ela por obrigação.

Arregalei os olhos na direção de Skye, eu jurava que iria ouvir qualquer outra coisa menos isso.
Mas a parte mais louca é que ela percebeu o mesmo que eu venho percebendo desde o início da semana, estava crente que era só birra minha por talvez estar... não, isso não, inconsequente? Infelizmente sim! Fura-olho? NUNCA!

- Sério? - disse, Skye balançou a cabeça em confirmação - eles são tipo os reis do ensino médio, René me contou que pelo visto se conhecem desde a infância.
- Ai coitado...
Skye levou uma das mãos a boca ao perceber o que falou.
- Mãe! - Desatei a rir.

Skye acabou caindo na risada junto comigo de seu comentário ácido. Minha mãe não é de briga, na real é bem tranquila, mas por alguma razão ela nunca gostou muito dos Saint-Jones, e sempre que eu perguntava o porque ela dizia que "as energias não batem", nunca tentei entender e ela nunca quis me explicar, então ficamos quites.

- Não entendo o porque você não gosta dos Saint-Jones, nunca vi eles fazerem mal para ninguém.
- Certas coisas não tem explicação, a gente só sente.
- É - meus pensamentos voltaram a se perder no rosto do francês - a gente só sente...

Depois do jantar, subi para meu quarto e comecei a adiantar algumas lições de casa - que não eram tantas como disse para minha mãe - ao meu lado, minha playlist de músicas tocava no celular, mania minha de escutar indie enquanto respondia questionários.

Passava pouco das 21:30, estava perto de terminar a última tarefa de casa quando ouvi uma melodia de piano vinda da rua de trás.
Minha atenção se desprendeu totalmente da atividade, pausei a playlist e sem pensar duas vezes corri para o terraço.
Chegando lá, encontrei Skye observando a rua de trás, quase tão curiosa quanto eu.

- Também seduzida pela música? - Perguntei para a loira assim que me aproximei da grade.
- É Michael Jackson, precisava saber quem é o artista que está tocando Human Nature tão perfeitamente, e acho que já descobri.

Skye apontou com a cabeça para a espaçosa varanda dos Saint-Jones, lá havia um piano preto brilhante e sentado em sua frente deslizando seus dedos pelas teclas do piano como se fosse a coisa mais fácil do mundo, estava Heron.

Esse garoto acabou de ultrapassar todos os limites da perfeição.

Meus olhos congelaram naquela cena, a música fluía do instrumento com uma naturalidade palpável, Heron parecia tão imerso na música que era como se o mundo ao redor estivesse parado apenas para ouvi-lo tocar.

Cartas para Heron HayesOnde histórias criam vida. Descubra agora