24. Por todas as pequenas coisas

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Hoje o céu estava como todas os fins de tarde. Azul, rosa e laranja. Espalhados pelas nuvens como uma tela aquarelada que meus olhos não cansavam de admirar depois de um bom tempo lendo um livro de ficção científica que eu achei perdido no meu quarto - e que não entendi nem metade.
Já faziam algumas horas que eu estava deitado no chão do terraço procurando nas nuvens alguma distração depois de fazer todas as atividades que tinha, arrumar coisas que já estavam arrumadas e me esgueirar entediado por todos os cantos de casa. Faltar a aula dava nisso. Eu não gostava de ir, mas quando não ia ficava essa lacuna estranha no meu dia, pra completar minha mãe não estava em casa e convenhamos que todo aquele silêncio ao meu redor não era bem o que eu estava precisando no momento.
Já estava quase pegando o livro novamente apenas pra silenciar meus pensamentos que ameaçavam me atormentar quando ouço a campainha tocar. 

Me levantei sabendo plenamente que não era Skye pois ela tinha a chave da porta, então das duas uma: ou era a René com novidades do Gardenia, ou era o Gus - que eu rezava para que não fosse pois definitivamente não saberia o que fazer.

Chegando a beira da grade, vi um ponto rosa no meio do gramado olhando para cima e respirei aliviado. Era a René mesmo.

- Achei que só ia te ver na quinta - gritei de lá de cima.
- Até parece que eu ia esperar até lá - ela respondeu, sorri.

 ***

- Você fez falta ontem - disse enquanto René entrava em casa e se sentava no sofá.
- Eu perdi muita coisa ontem! Fui idiota de ter deixado de ficar na escola depois do rolê do jornal, na verdade, eu percebi que gastei muito tempo da minha vida me dedicando em algo que não reconhecia meu devido valor.
- Eu estou tentando te falar isso há dois anos, sabia? - me sentei ao seu lado.
- Eu estava deslumbrada! Eu deveria ficar bolada mesmo se fosse expulsa do New York Times, o jornal da escola não é ninguém na fila da sopa.

Rolei os olhos e ri.

- Você não tem ideia de como isso me deixa feliz - afundei no sofá, René olhou pra mim apoiando seu cotovelo no encosto do móvel.
- Eu sempre dou um jeito, Adrien - ela sorriu - e além do mais, meu padrasto é um dos âncoras mais famosos do jornal local, um estágio eu acho já tenho!

Nós dois rimos. Querendo ou não, ela tinha razão. Todo mundo da cidade (e da Califórnia) que assistia o jornal da noite conhecia o Correspondente Froy Hutcherson de SaMo.

- Mas falando sério agora, porque eu tenho a leeeve impressão de que você passou a tarde inteira nessa fossa?
- Porque você me conhece bem - fechei os olhos.
- E isso tem haver com o Heron me perguntando se você estava bem hoje e por que a Queen não está mais mandando cartas? - ri soprando ar pelo nariz - tem alguma coisa rolando mais do que minha expulsão do clube, não tem?
- A gente tem mesmo que falar disso agora? - me endireitei - passei a tarde toda tentando esquecer ele e acho que estava indo muito bem até agora.
- Você pode até ter tentado esquecê-lo mas ele não fez o menor esforço pra te esquecer de volta. Vai dar mesmo o Heron de bandeja pra Meredith? Sério? 
- O Heron não gosta de mim René, te falei isso na sexta passada - me levantei do sofá e fui até a geladeira, René me seguiu a passos duros.
- É, eu sei e fiquei pensando nisso no final de semana e percebi que ele falou que gosta de alguém, e não que não gosta de você especificamente! Ele deve ter dificuldade com metáforas.
- Mas não seria mais fácil ele me dizer diretamente? Estávamos sozinhos!
- Que parte de "ele deve ter dificuldade com metáforas" você não entendeu Adrien South?
- Oie! - Skye entrou em casa nos cumprimentando com um sorriso assimétrico. Uma de suas bochechas estava maior que a outra.
- Oie... - eu e René respondemos em coro. Skye logo percebeu o espanto e respondeu antes mesmo que perguntássemos.
- Não se assustem com o visual - ela apontou para o próprio rosto com uma das mãos livres - arranquei alguns sisos e vou parecer um esquilo por algumas horas - ela riu - pega uma bolsa de gelo pra mim, filho?
- Claro - Peguei uma forma de gelo no freezer e uma bolsa que estava guardada no armário - foram quantos?
- Três - ela respondeu do sofá - duma vez só!
- Ugh! - René estremeceu - tá aí uma coisa de adulto que eu tenho mais medo que boletos e dor nas costas.

Nós três rimos.

- Isso explica os potes de sorvete - olhei para as sacolas na bancada.
- Trouxe um pote para cada dente, acho que mereço depois de horas de tortura naquele consultório dentista, inclusive, trouxe aquele Ben&Jerry's de caramelo triplo que você gosta Addie.
- Valeu mãe!!! - exibi um sorriso grandioso.
- Se eu soubesse que sua fossa seria melhorada com um pote de sorvete eu mesma teria trago um - sussurrou René, lhe mostrei a língua e ela riu.

Já estava fechando a bolsa de gelo quando a campainha tocou novamente.

- Vocês pediram alguma coisa? - Skye perguntou, eu e René indicamos que não.

Skye ficou pensativa por alguns segundos. Acho que o mesmo pensamento passou por nossas cabeças.

- Pode deixar que eu atendo.

Agora só podia ser o Gus.

Skye se levantou em um pulo e foi até a porta. René olhou pra mim curiosa, eu encolhi os ombros demonstrando não ter certeza de nada.

Quando Skye abriu a porta, por sua reação pude perceber de cara que ainda não era o Gus, mas quando ela cumprimentou o visitante, eu acho que preferiria que fosse o Saint mais novo.

- Oi vizinho! - disse ela e olhou rapidamente para mim - tudo bem?
- Oi Senhorita South, boa tarde, eu... ah... desculpe incomodar há esta hora mas, o Adrien está? Eu preciso muito falar com ele.

Os olhos de René arregalaram e ela estava prestes a ir até a porta quando eu a impedi. Skye olhou para mim novamente e eu neguei com a cabeça repetitivamente.

- N-não, ele não está agora sabe... saiu há algum tempo para a casa da René, foi dormir lá esta noite - Skye sorriu convincentemente e apoiou-se no batente da porta - mas é algo muito urgente? Eu posso passar o recado pra ele quando ele voltar.

Heron ficou quieto por alguns segundos, talvez escolhendo as palavras que queria dizer.

- É que... eu acho que ele não vai acreditar se não ouvir de mim.
- Acho difícil ele não acreditar na própria mãe, você não acha? - Heron ficou novamente quieto - eu posso tentar convencê-lo, se você quiser me contar, claro.
- Bom é... eu pretendia dizer isso há alguns dias, n-na verdade eu devia ter dito isso já há algum tempo e talvez seria mais fácil quando ele ainda falava comigo mas parece que eu tenho tendência a esperar que as coisas fiquem complicadas pra enfim chegar a uma conclusão - Skye o observava atentamente - Eu nunca pensei que diria isso primeiro pra senhorita mas... consegue convencê-lo de que eu gosto dele?

Parei de respirar por alguns segundos.

Não. É. Possível!

René agarrou meu braço e o balançava ansiosamente não sei se comemorando ou esperando que eu reagisse. Mas eu estava chocado demais pra esboçar alguma reação.

- Gostar é uma palavra bem abrangente - Skye sorriu de lado - qual é o seu gostar?
- Eu juro que eu tentei pensar nisso, pensar no que o Adrien é pra mim e... eu não cheguei a palavra nenhuma, não sei explicar! Eu sinto vontade de protegê-lo desde... sempre e... e eu gosto da companhia dele, gosto de conversar com ele, mesmo que ele nunca fale muito e agora menos ainda já que... enfim, eu gosto dele como nunca gostei de ninguém e mesmo que a gente nunca tenha chegado perto de algo como um flerte escancarado, eu tenho certeza que não gosto dele como um amigo. Consegue entender?
- Então você está apaixonado pelo meu filho? - Skye perguntou didaticamente.
- Mais do que eu achava que estava - Heron respondeu prontamente - é que, sabe senhorita South, é-é difícil dizer isso pra... mãe dele, parece até que vou pedi-lo em casamento! Mas é que eu faria qualquer coisa pra reparar o tempo precioso que perdi pra no fim de tudo perceber que as aulas de literatura realmente são muito mais longas quando ele não está lá ao meu lado - ele riu baixo - eu demorei demais e minha falta de clareza não me ajudou semana passada, percebi que fiz besteira quando ele não me ligou depois do bolo e não falou comigo ontem na saída, então eu não posso mais esperar por uma ocasião especial pra dizer o que tá rolando comigo, mesmo que seja por recado eu precisava dizer.

Meu coração batia tão forte que eu tinha medo de que ele saísse correndo de dentro do meu peito. Não é possível! Como isso aconteceu? Quando foi que ele passou a me ver assim?!

Skye, que estava tirando de letra toda aquela situação, ouvia tudo atentamente e com um sorriso engraçado visando a situação de que ela nem precisaria se preocupar em transmitir o recado.

- É, ainda bem que você me avisou que ele provavelmente não acreditaria porque eu não faço a menor ideia de como eu vou contar pro Adrien - ela riu com um tom a mais de surpresa na voz - talvez não tenha tantos... detalhes, mas pode ter certeza que ele vai ficar sabendo.
- Obrigado senhorita South, de verdade.
- Não há de quê vizinho, e pode me chamar de Skye, sem formalidades, pode ser?
- Claro - ele riu - obrigado Skye, e, se ele quiser falar comigo depois de uma declaração aleatória como essa, você pode por favor pedir que ele me ligue ou me mande uma mensagem? Mesmo que seja me dispensando, vou me sentir menos culpado e mais leve por não ter deixado de falar.

Cartas para Heron HayesOnde histórias criam vida. Descubra agora