23. Corda Bamba

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Passei o resto das aulas vidrado dentro dos meus pensamentos. O que muito provavelmente tenha me segurado de não ter berrado e gritado no momento em que vi Meredith no corredor de tanta frustração que senti foi que eu não queria ser ainda mais alvo de fofocas e apontamentos, ainda mais quando era eu quem estava saindo como o grande vilão da história.

Mas pode ter certeza de que não foi por falta de raiva.

Sentia meu corpo se retrair de nervoso quando eu lembrava da voz triste de René no telefone e aquele sorriso diabólico de Meredith que sabia exatamente o que tinha feito, e pior, se orgulhava disso. Eu sabia que ela não seria boazinha comigo, mas nunca imaginei que seria tão baixa a ponto de atacar a René primeiro. Ela conhecia meus pontos fracos melhor do que eu pensei e isso me assustava.
Mas, com medo ou não, hoje eu falaria o que estava entalado na minha garganta, eu precisava falar e ela precisava ouvir.

Quando o sinal tocou indicando o fim das aulas do dia, voei pra fora da sala sem olhar ao meu redor. Meus pés andaram automaticamente para a sala do clube de música, e quando cheguei lá, como o esperado, ela me esperava sozinha sentada em sua mesa. Quando me viu, me recebeu com seu sorriso clássico. Doce.

- Pelo visto sua amiga já foi me delatar - ela se levantou e apoiou-se na mesa cruzando os braços e me olhando de cima a baixo - mas olhe pelo lado bom, agora as fotos do jornal vão ter uma resolução incrível e as rifas pra novas lentes vão acontecer com menos frequência.

Fechei a porta lentamente atrás de mim e respirei fundo. Eu precisaria de ar. Muito ar.

- Achei que sua "movimentação" se resumia só a mim, Meredith.
- E se resume, tanto que eu nem precisei fazer muita coisa pra você vir até aqui com sete pedras na mão, só precisei tirar o hobbie preferido da sua melhor amiga, e realmente ela é muito apaixonada nesse jornal, até mais do que o próprio líder! Mas, todo mundo realmente se vende por uma boa verba, ainda mais necessitando.

Tal tio, tal sobrinha. A falta de vergonha na cara é de sangue pelo visto.

- A René não tem nada a ver com essa história, você sabe muito bem disso.
- Eu não colocaria minha mão no fogo.
- Como assim? - foi minha resposta imediata, o sorriso de Meredith se alargou.
- Ela por acaso te contou o motivo pelo qual foi expulsa tão rapidamente?

Meredith pegou sua bolsa e passou a vasculhá-la, eu olhava atentamente cada movimento.

- Não especificamente...
- Não tem problema, eu te conto - ela olhou para mim - era uma vez, um príncipe muito bonito e gentil...

Uma historinha, era tudo que eu precisava mesmo.

- Um belo dia este príncipe resolveu dar uma festa em seu palácio com os súditos de tooodo o seu reino, foram horas e horas de comemoração e tudo correu como planejado. Até aí tudo bem. Mas no dia seguinte, o palácio estava uma bagunça total e o príncipe não daria conta de arrumar dois andares sozinho, então, uma princesa do reino vizinho lhe ofereceu ajuda para organizar as coisas antes da volta dos reis. Enquanto organizava os muitos presentes recebidos na festa, a princesa deixou uma das sacolas escorregar e o presente lá de dentro acabou caindo, e sabe o que tinha junto do presente?

Meredith retirou sua mão de dentro de sua bolsa e de lá, ergueu a prova crucial contra mim - e contra René.
Era um envelope. E era o meu envelope.

- Há algum tempo eu andava vendo René e Heron se encontrando pelos cantos, eles se aproximaram tão repentinamente que eu não consegui não achar no mínimo... suspeito, para duas pessoas tão opostas. De primeira, achei que eles estavam tendo algum caso e você intermediava, mas quando vi ela e a Jenna Fincher nos fundos da casa do Heron na quinta, percebi nitidamente que era o contrário, e que era óbvio porque você é a pessoa mais medrosa que eu já conheci na vida então nunca conseguiria entregar uma carta da São Valentim pessoalmente. Aí eu te pergunto Adrien, você por acaso conhece alguma... - ela olhou a frente do envelope - "Queen of the Clouds"? E outra coisa, sabe que não era permitido intermediar cartas a parte por conta da venda de envelopes pra bancar o baile? Porque a René sabia...

Fiquei congelado por alguns instantes. Eu podia negar, podia mentir que era outra pessoa já que René conhecia muita gente e eu era "medroso demais", mas de que adiantaria? Ainda assim René havia entrado no caminho da Meredith e ela não voltaria atrás em seu suborno. Era a cara da René não me contar que tinham mais riscos além da Meredith. Droga René!

- Se eu disser que sim, o que vai fazer?

Me sentia vendado em uma corda bamba, um passo em falso e eu despencaria sem expectativas penhasco abaixo.

- Bom - ela passou a andar pela sala - eu sou o tipo de pessoa que não ataca sem armas, e recentemente achei que seria uma ótima ideia ter nas mãos o endereço IP do Gardenews...

Ah mas não é possível, quantas cartas na manga essa garota tem???

- Acho que nem preciso dizer o que descobri né? - ela sorriu, arfei - meu pai nos últimos dias tem estado bem estressado por conta desse site de fofocas que expõe o que acontece aqui no colégio pra quem quiser ver, me lembro dele ter dito no jantar da semana passada que seria capaz de expulsar o dono do blog... trágico né?

No que foi que eu meti a René meu Deus...

- Então minha proposta é o seguinte, fique longe do Heron e sua amiga continua aqui, ou eu delato a René e o histórico dela fica manchado junto com sua reputação no Gardenia, o que acha?

Apertei minhas mãos tentando controlar meu medo e não transparecer o quanto eu não sabia o que fazer! Aquilo estava pior do que eu consegui imaginar se um dia alguma daquelas cartas caísse em mãos erradas.
Eu me sentia encurralado de todas as formas, era um beco sem saída e eu não fazia a menor ideia de como sair de lá.

- As escolhas tem consequências, South - ela dizia com seu ar de superioridade - você é inteligente, sabe que não vale a pena colocar o histórico escolar da sua melhor amiga no lixo pra satisfazer seus sentimentos. 
- Você não acha que está indo longe demais com essa história toda? - as palavras deslizaram como um desabafo.
- Eu estou apenas fazendo o necessário para não perdê-lo, acha que é só você que o ama por aqui? - ela disse, arregalei os olhos estupefato.
- Ameaças, chantagens, subornos, medo... que bela forma de se eliminar concorrentes.
- O que é que você queria? Desde que você apareceu eu sinto como se ele estivesse cada vez mais longe e agora que sei dessas cartas eu entendo o porque da distância! - os sentimentos de Meredith começavam a falar por ela - ele mente pra mim o tempo inteiro, nós brigamos feio pelo menos uma vez por semana! Se hoje ele não gosta de mim é por culpa sua e eu não vou deixar isso barato!
- As pessoas possuem mais de um amigo em suas vidas e eu duvido que o Heron vá achar extremamente romântico que você me ameaçou pra que ele fosse só seu! Eu não tenho que pagar pelo seu egoísmo!
- Egoísmo? - ela riu - Olha pra você Adrien! Nós estávamos bem e felizes até você aparecer querendo tirá-lo de mim! Você se meteu no nosso relacionamento! Como acha que as pessoas encaram alguém que quer roubar o namorado de uma garota, hm? Eu não sou a malvada por aqui.
- Eu não posso tirar alguém de outra pessoa quando ele não é de ninguém! - Controlava a minha voz ao máximo para não gritar mas já estava ficando praticamente impossível - acha que eu não sei que você inventou toda essa história de namoro pra que escola toda acreditasse? Acha que eu não imagino que o Heron só não nega todas essas mentiras por conta das suas famílias que esperam que vocês se casem e sejam felizes pra sempre?
- Nós dois vivemos muito mais coisa juntos do que você um dia sonhou em viver com ele. Você sequer deve ter segurança pra chamá-lo de amigo.
- Mesmo que você o conheça desde que nasceu eu sei de tudo isso porque as vezes ele fala nas entrelinhas do que me escreve. Experimenta perguntar pro Heron alguma hora se ele gosta que você saia por aí dizendo que "a sogra dele está esperando". Eu ouço ele! Do contrário de você que só enxerga o que quer ver e só pensa no próprio umbigo, contribuindo pra pressão que ele sente nas costas o tempo inteiro de que tem que ser isso e aquilo pra suprir as expectativas do mundo inteiro!

Meredith me olhou um pouco mais surpresa e respirando mais fundo, mas em questão de segundos a expressão superior voltou ao seu rosto. Eu tentava focar ao máximo para não me perder nos batimentos acelerados do meu coração que poderiam me distrair e me fazer deslizar.

- Você acha mesmo que essas cartas e um codinome fazem da sua presença maior que a minha na vida do Heron?
- Não, não acho, mas eu estou cansado de ver tanta gente, incluindo você, regulando ele e o colocando nas suas regras. O Heron pode não gostar de mim mas eu gosto dele! Era isso que você queria ouvir de mim? Pronto. Eu gosto do Heron, gosto de verdade, e acho que o que eu sinto por ele já me dá direito o suficiente de querer o bem dele mesmo que não seja recíproco - recuperei o fôlego puxando o ar devagar -  pra sua sorte, eu já pretendia me afastar já que tive a certeza de que ele não gosta de mim, mas meu afastamento não se deve só porque isso, mas porque ele também não gosta de você, e é satisfatório saber que se vou perdê-lo não vai ser pra que você consiga o que quer no final.

Meredith ficou muda, me olhava totalmente apática. Podia estar sentindo raiva, alegria frustração, qualquer coisa, mas eu não via um resquício de sentimento em seus olhos.

Cartas para Heron HayesOnde histórias criam vida. Descubra agora