17. Ainda sou eu

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Era uma pequena caminhada até o hospital mais próximo dali, confesso que me preocupava com o tempo que levaríamos para chegar lá a pé, mas eu me sentia em dívida por ele ter se machucado numa briga que nem de longe era dele.

Analisando os últimos acontecimentos até agora eu sabia de duas coisas. A primeira eu tenho a plena certeza: Heron, depois de todo o escândalo do Gale, sabe que eu sou gay. A outra coisa eu apenas observei e rezava para que eu não estivesse enganado: Ele não deixou de me defender mesmo descobrindo minha sexualidade.

O silêncio entre nós só dava mais espaço para meus pensamentos frenéticos. Se Heron de fato não ligava para o fato de eu ser gay e me defendeu prontamente sem olhar para minhas escolhas amorosas, era claro que ele não iria se afastar de mim por isso, muito pelo contrário. Eu tentava me livrar das expectativas mas era impossível com a imagem de Heron se pondo a minha frente sem medo algum, rondando em minha cabeça.

- Cê deve estar uma pilha com tudo que aconteceu - sua voz me despertou de meus pensamentos, eu continuava olhando para meus passos no asfalto.
- Estou confuso - respondi - por enquanto, estou apenas confuso.

Olhei brevemente para a mão de Heron, ele a segurava impedindo que a mesma se movimentasse muito.

- Está muito ruim? - indiquei para sua mão.
- Eu espero que não - ele encolheu os ombros - mas não é minha primeira fratura nessa mão, deve ter sido por isso que a machuquei com tanta facilidade.
- Aah... - as palavras me entalaram. Tinha tantas perguntas, tantas... eu só não sabia como abordá-lo, sentia um pouco de vergonha visando todo o caos de minutos atrás.

O silêncio voltou a se instaurar, a rua estava tão silenciosa naquela tarde, o único barulho audível era de nossos sapatos no asfalto.

- Vocês estavam juntos há quanto tempo? - Heron cortou o silêncio - Digo, você e o...
- Gale - respondi - há pouco mais de um ano, um ano, um mês e vinte e seis dias para ser mais exato.
- Foi você que terminou não foi?
- É tão óbvio assim? - sorri ironicamente, Heron riu baixo - Foi logo após encontrá-lo numa festa de halloween beijando uma garota do colégio dele, ele fingiu não me conhecer naquela noite e...
- ...no dia seguinte foi te procurar para justificar o próprio erro com argumentos falhos e egoístas - Heron completou - conheço bem esse tipo.
- Já passou por algo assim? - perguntei, já estávamos numa situação incomum, deixaria para me arrepender do que falei depois.
- Tecnicamente não, mas eu vi no olho dele uma culpa que era só dele, depois de ouvir um pouco da história não foi difícil deduzir o resto.

Respirei aliviado, era bom ouvir de mais alguém que eu nunca fui culpado de nada.

- Sabe que você parece bem melhor agora? - ele sorriu para mim, acabei sorrindo de volta.

Voltamos ao silêncio. Aquela pequena descontraída me deu coragem para fazer a pergunta que martelava em minha cabeça desde que saímos do Gardenia.

- Porque me defendeu? - perguntei, Heron voltou a olhar para frente.
- Eu não podia ver aquela cena e ficar parado olhando ele te assediar, talvez eu tenha até piorado a situação e saiamos com advertências amanhã, mas não me arrependo de nada, nem uma vírgula.

As palavras me faltavam a cada frase de Heron, um verdadeiro show de integridade. Eu o admirava. Seu caráter e sua índole eram tão brilhantes e inspiradores que me faziam querer ser pelo menos um pouco como ele. Era impossível que eu não me apaixonasse, até mesmo sem a Queen e a proximidade que ela me proporciona dele, o Heron é maravilhoso demais para não acabar se apaixonando.

- E-eu nem sei como te agradecer, e ao mesmo tempo me desculpar, sabe, me desculpa pelas coisas que o Gale disse e... - aperto as juntas de minhas mãos nervosamente - ...deu a entender.

Heron me olhou com um sorriso leve e um riso fraco balançando a cabeça em negação.

- Leve como um agradecimento pelas vezes em que você me ajudou, e inclusive - paramos em frente a escadaria do hospital - estamos no século vinte e um, você não precisa se desculpar por ser quem é, para mim você continua sendo o mesmo Adrien de uma hora atrás.

Congelei por alguns segundos. Heron começou a subir as escadas tranquilamente enquanto eu ainda estava parado no último degrau processando suas palavras. Eu estava sonhando, não é possível que a sorte esteja me sorrindo tanto assim.

- Ei - Heron me chamou do meio da escada com aquele sorriso lindo estampado em seu rosto, o olhei talvez um pouco encantado demais - não vem?

Nunca me esforcei tanto para não cair de uma escada como naquela hora.




Após algum tempo de espera, o médico retornou a sala do consultório com o raio x da mão direita de Heron.

- Segundo o que vemos aqui, o senhor trincou dois metacarpos e luxou o músculo de três dedos, como conseguiu uma fratura assim? - o médico olhou nos olhos de Heron esperando por uma boa resposta.

Cartas para Heron HayesOnde histórias criam vida. Descubra agora