20.1 - Avalanche de Informações

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Devo ainda ter passado uns quinze minutos no banheiro, olhando para a porta da cabine e tentando pôr as ideias no lugar, quando saí a apresentação do aniversário do colégio já tinha acabado e René me ligava incessantemente me procurando, temendo que eu tivesse ido embora ou "morrido de amor" pela apresentação surpresa de Heron, que inclusive tinha dedo dela também. Eu queria muito tê-la abordado com o sorriso que estava há uns vinte e cinco minutos atrás, mas precisava contar para alguém o que tinha acontecido.

- Eu. Tô. Passada! - chocou-se a garota - Eu sempre tive minhas dúvidas quanto a Meredith mas, eu nem consigo imaginar a cena! "Você sabe o certo a se fazer"? Caramba...
- Eu juro que queria que fosse mentira como parece, mas ouvi tudo bem demais.
- Agora eu entendo o porque de você ter me arrastado pro shopping, se eu tivesse ouvido tudo isso há menos de 5km da dita cuja eu teria falado besteira o suficiente pra ferrar com nós dois de graça, que ódio!

René resmungava enquanto mastigava - com raiva - a porção de nuggets que comprou. Eu tentava comer o meu lanche mas estava impossível, acho que até mesmo minha comida favorita cairia estranho no meu estômago depois do show de egoísmo que ouvi hoje, sentia a raiva e a frustração voltarem só de lembrar.

- Acho que já posso desistir da balada em Nova York - Desanimou-se René, parei de cutucar meu prato e a olhei - é óbvio que você não vai na festa do Heron depois dessa, te conheço, e pra falar a verdade eu nem te julgo.

Voltei a mexer em meu hambúrguer sem responder, René percebeu na hora o ar suspeito de minha reação.

- Não me diga que você está pensando em ir mesmo assim?

Justificando nossa amizade de anos, apenas um olhar foi suficiente para a garota abrir a boca surpresa.

- Quem é você e o que fez com o meu melhor amigo? Quero o nome de todos os meus irmãos como prova.
- Sei que parece loucura e novidade já que fui um covarde a minha vida inteira, mas eu não consigo de jeito nenhum ignorar o que aconteceu hoje. Beleza, ela é a filha do diretor, mas isso não a faz menos errada e não precisa ser nenhum gênio pra perceber isso! - respirei fundo - e além do mais, tem o Heron, eu não posso simplesmente deixar a Meredith o privar de ser feliz com outras pessoas por causa de um ciúme preocupante desses. Eu estou com medo? É óbvio que sim, estou morto de medo! Mas tenho muito mais medo pelo Heron, já tem gente demais controlando a vida dele, ele não precisa de mais.

René me encarava com os olhos arregalados. A reação dela não era surpresa alguma pra quem me conhece desde quando eu não tinha nem Morgan South como sobrenome oficial.
Eu sempre levei comigo a ideia de que "se você se meter numa briga, dê as costas e saia correndo para não acabar com um nariz quebrado e muitos problemas", fui criado assim a minha vida toda tanto por ser negro quanto por ser gay. Eu fujo de brigas, discussões e qualquer coisa que possa ter o mínimo de chance de eu sair em desvantagem, eu abaixei a cabeça pra coisas demais nessa vida e do contrário do que eu achava isso não me trouxe vantagem nenhuma, muito pelo contrário. Me fez aceitar quieto desaforos, traições, humilhações, injustiças e todo tipo de abuso por ser passivo demais com quem não merece, mas no dia que eu me arrisquei pela primeira vez em 17 anos quando passei aquela carta pela fresta do armário de René e recebi uma resposta, posso até ter quase entrado em colapso, mas eu não me arrependi em nenhum momento, mesmo agora, onde ter saído das sombras e ter feito algo que quis de verdade me rendeu uma inimizade com a garota mais popular do colégio. Eu precisava ter mandando essas cartas pro Heron pra perceber que nem sempre ignorar coisas erradas pra livrar a minha pele é o certo a se fazer, e que de vez em quando vale a pena lutar por aquilo que a gente acha certo e claro, por quem a gente ama.

- E o nome dos seus irmãos em ordem é Jonah, Finnick, Elena e Antony. O Jonah tem vinte e um, o Finnick quinze, a Elena dez e o Antony... oito?
- Nove - minha amiga respondeu ainda impressionada.
- Nove? Caramba eu vi esse garoto nascer! - Sorri, um enorme sorriso orgulhoso não tardou a aparecer no rosto de René.
- Acho que nunca ouvi você falar tanto em todos esses anos - ela riu - É isso que eu quero de você, atitude! Eu não hackeei o sistema do Gardenia pra passar um vídeo do Heron tocando Alec Benjamin pra você pra Meredith Rose Saint-Jones vir ditar regra e te fazer desistir do que vocês tem, seja com codinome ou não.

Destemidamente, René se levantou da mesa da praça de alimentação, limpou rapidamente a ponta dos dedos no guardanapo e colocou sua bolsa em seu ombro

- A gente vai nessa festa, Ad!
- Te agradeço muito Ren, sabe disso, mas se a coisa ficar muito pesada eu não posso...
- AH NÃO - René bateu o pé - se você for dizer que é melhor eu ficar longe, abandonar o barco, ou te deixar a deriva sozinho, com frio e com medo é melhor nem continuar!
- Mas René a Me...
- Shhh, é uma revolução ao regime Saint-Jones! Eu quero fazer parte disso, não só porque você é o meu melhor amigo e a única pessoa que me aguenta, mas também por uma questão de justiça, Ad.

Eu não podia negar que me dava muito mais coragem ter o apoio e a ajuda de René em momentos onde o medo poderia me trair e me fazer desistir dos meus próprios princípios, mas era inevitável me preocupar com o lado competitivo recém descoberto da Meredith, não fazia a menor ideia de até que ponto ela é capaz de ir. René é difícil de impedir quando possui um objetivo, mas se eu precisasse implorar para que ela ficasse na parte segura dessa zona de combate, eu o faria.

- Pelo menos me promete que vai ser discreta? - tentei uma última vez.
- Tá bom, tá bom.

Não senti verdade absoluta em suas palavras, mas servia.

- Muito obrigado! - sorri e me levantei da mesa.
- Mas tenho que por o meu jeitinho, afinal não é sempre que me é proposta uma revolução, ainda mais partindo de você! Hoje é o dia mais feliz da minha vida, vou até anotar no calendário pra comemorar de ano e ano.
- Acho que uma revolução é coisa demais, lembre-se que ainda sou novo nessa coisa de desobediência, podemos chamar de... justiça branda, mas ainda justa?
- Certo líder do movimento - a baixinha ignorou propositalmente minha tentativa de briga pacífica - então, por onde começamos esta "Justiça branda, mas ainda justa" ?

René entrelaçou seu braço ao meu. Sem que eu previsse, meus olhos pararam numa loja de discos logo no andar que estávamos, tive um estalo genial e me perguntei como não pensara nisso ontem.

- Acho que podemos começar pelo presente de aniversário.

Achar um presente para Heron rendeu tanto para mim quanto para René, boas horas no shopping. Só eu passei uma meia hora na loja de discos atrás da trilha sonora original de Flashdance e depois de muito procurar e negociar por um bom tempo um preço mais baixo com o vendedor, consegui comprar o único que tinha na loja, uma edição de colecionador que estava em um maravilhoso estado de conservação. O que acalentava o meu coração - e principalmente o meu bolso já que gastei uma nota naquele disco - era o fato de que Heron ficaria louco com o presente, disso eu tinha certeza, já que não tem presente melhor do que aqueles que envolvem fandom ou memória afetiva.
Enquanto eu estava na loja, René aproveitou para comprar seu presente, e claro, fez mistério quanto ao que era. 

Cartas para Heron HayesOnde histórias criam vida. Descubra agora