26. (re)conhecer

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Estávamos em silêncio observando a paisagem desde que chegamos na faixa de areia ao lado do mais famoso ponto turístico da cidade: o píer de Santa Monica. As luzes da roda gigante passeavam pela água do mar e davam um tom de roxo e rosa a nossas peles. Eu abraçava os meus joelhos e Heron apoiava-se em uma das pernas.

- É estranho - disse subitamente como um pensamento alto, pude ver de canto o rosto de Heron virando em minha direção - eu imaginei como seria este momento diversas vezes, de todas as formas e com todos os finais possíveis, mas nenhum deles chegou nem perto do que realmente aconteceu.

Olhei para Heron e ele me observava com um sorriso bobo, ainda sentia meu rosto esquentar de tê-lo me olhando assim tão de perto, mas não era incômodo.

- Eu sonhei algumas vezes com esse encontro também - Heron olhou para o céu - mas estava um pouquinho mais claro que agora.
- Como soube? Digo, como percebeu que gostava mesmo de mim?
- Sendo sincero, posso contar nos dedos quantas vezes eu me apaixonei, então, por ser um sentimento digamos que raro de me acontecer, eu soube exatamente o que era quando meu coração disparou absolutamente do nada quando olhamos diretamente um pro outro pela primeira vez, no corredor do Gardenia, lembra? Naquela primeira semana de aula.
- Como esquecer? No segundo seguinte eu bati minha cara no armário.

Heron riu com a lembrança, acabei achando graça também. Isso queria dizer mais que qualquer coisa que a tempestade já havia passado e eu alcancei a fase de rir das vergonhas.

- Bom, claro que eu ainda cheguei a me questionar, pensei que só te achava bonito ou que fosse uma coincidência enorme que eu te visse em todos os cantos que eu olhasse, até o dia em que você me passou aquela borracha na aula de literatura e eu nunca mais consegui te tirar da cabeça, aí então eu passei a gaguejar e isso foi suficiente para que eu percebesse que já não tinha mais volta.

Sorrimos um para o outro, sua tala encostava-se lentamente na minha mão, nossos dedos se tocaram.

- Duas pequenas ajudas depois, uma sem querer da parte do Trent da sorveteria e outra que nós dois sabemos qual, me senti um pouco mais confiante pra tentar uma aproximação mas você sempre me mandava pra René ou desconversava.
- D-desconversava?

Mergulhei nas minhas memórias repassando todas as vezes em que falei com Heron, as coisas pareciam bem claras agora e eu me perguntava onde estava o meu senso observador quando Heron literalmente ia até mim, dizia com todas as palavras que estava me procurando e fazia questão de falar comigo toda vez que me via. Agora eu entendia porque todo mundo dizia que ele gostava muito de mim.

- Caramba - murmurei - você devia estar se sentindo menos correspondido que eu.
- Cada caso é um caso mas realmente era uma relação meio complicada.
- E mesmo assim continuava tentando algo enquanto recebia cartas de um remetente que fazia e falava absolutamente tudo que eu não tinha coragem? - me surpreendia mais a cada conclusão que me chegava e a cada aceno de confirmação do Heron - Por quê????
- Eu percebi que você era bem tímido desde a primeira vez que te vi e se eu estava mesmo interessado devia chegar com jeito e ir te decifrando, fora que a René me dizia isso o tempo todo enquanto frisava como você era uma pessoa incrível apesar da timidez, coisa que nunca duvidei inclusive. Por gostar de você eu queria ver além da camada tímida e ter mais acesso a esse seu lado mais solto, pois das poucas vezes em que pude ver foi incrível. Isso me movia, eu sabia que com um pouco de esforço eu conseguiria te ver esquecer a sua timidez por alguns segundos e ser você em sua raiz.

Fiquei extasiado. Era assustador e surpreendente saber de toda a história por outra ótica, eu nunca conseguiria nem deduzir todos os pensamentos do Heron, e das minhas deduções eu não chegara nem perto do que de fato ele estava achando da situação, como essa história correu fora da minha bolha. Me sentia lendo um daqueles spin-offs que autores de romances best-sellers fazem sobre o ponto de vista do outro protagonista, era uma sensação engraçada.

- Isso foi muito meloso?

Ele perguntou e sorriu daquele jeito de sempre. Como o sol. Como o calor do verão.

Me inclinei até seu rosto e o beijei. E Deus, acho que nunca me cansaria daquela sensação.

- Eu definitivamente fui pego de surpresa.
- É muito cedo pra dizer que quero ficar com você pra sempre? - Disse com nossos rostos ainda perto.
- Talvez, mas podemos usar a desculpa de que só se vive uma vez, que tal?
- Hmmm, Carpe Diem então.

Heron deslizou seus dedos pelo meu pescoço até minha nuca e juntou nossos lábios lenta e delicadamente, me garantindo um arrepio na espinha.

- Carpe Diem.

E finalizou com seu sorriso. Lhe entreguei outro um pouco mais "absorto" comparado ao seu.

As luzes da roda gigante mudaram e nós voltamos a olhar para a água que agora exibia tons de verde e azul, Heron se aproximou mais e pousou sua cabeça em meu ombro enquanto percorria as veias do dorso da minha mão com a ponta de seus dedos.

- Quer me contar como também percebeu que eu não era só mais um no meio do Gardenia High School?
- É uma história tão longa, acho que você ficaria entediado de me ouvir falar por meia hora o quanto eu fiquei obcecado pelas pintas do seu rosto. Mas também, não é como se você tivesse chego e passado tãao despercebido.

Cartas para Heron HayesOnde histórias criam vida. Descubra agora