Cartas para Heron Hayes

21. Capuletos, Montéquios, Saints e a garota South

Era o terceiro perdido que eu dava no Walt, um dos alunos de Design que queria de todas as formas me apresentar para todas as pessoas presentes naquela festa. Não é que eu não quisesse conhecer pessoas novas, mas a questão era que eu saí do trabalho sem comer nada e meu maior interesse no momento era a mesa de lanches, e não em saber o nome de mais de 40 pessoas que zanzavam pelo ginásio da faculdade.
Não foi difícil encontrar a mesa, mas quando a encontrei metade da comida já havia ido embora. Por sorte, ainda havia um sanduíche sozinho e solitário apenas aguardando por alguém que pudesse lhe saborear, e olhe só, eu estava ali e de olho nele!
Fui determinada até a bandeja de sanduíches, com o estômago cheio eu estaria pronta para conhecer meus colegas e enfim me considerar uma estudante universitária da Jenks. Mas, eu não contava com alguém que tinha os mesmos planos que eu.
No momento em que já via o sanduíche na minha mão, acabei esbarrando na mão de outra pessoa. Um garoto alto de cabelos louro escuro.

- Ah, desculpe - trouxe minha mão de volta para perto do meu corpo.

O garoto, que não devia ser mais velho que eu, me olhou curioso, com uma sobrancelha erguida e um sorriso simpático.

- Você não é daqui, né? - ele perguntou, saquei na hora.

E eu que, até o mês passado, achava meu sotaque bem mais fraco que o dos meus irmãos.

- É a primeira vez que escuto isso hoje, sabia? - ironizei, ele riu.
- Australiana?
- É, cheguei há um mês, ainda não deu pra "esquecer as origens".
- Neste caso, não é justo brigarmos por um sanduíche não acha?

Ele pega o sanduíche na bandeja e, antes que pudesse entregá-lo a mim, um outro estudante passa por ele e o pega de sua mão.

- Valeu Cameron - o estudante morde o sanduíche e sai. O garoto acompanha o aluno caminhar para o meio das pessoas com um olhar um tanto chocado.
- Ainda posso encher a barriga de ponche - disse rindo... para não chorar, ainda estava faminta.
- É isso que dá dar tanta liberdade aos amigos - disse ele negando enquanto olhava para seu amigo - foi mal... qual o seu nome, garota australiana?
- Garota australiana não tá bom?
- Posso te chamar de garota bonita, então?
- Há! - cruzei os braços e ri, o louro riu também - neste caso, eu posso te chamar de garoto atrevido e assim ficamos quites.
- Prefiro que me chame de Gus - ele estendeu sua mão direita para um cumprimento - Gus Cameron, do segundo semestre de Ciências contábeis.

Apertei sua mão sem hesitar.

- Skye South... com E no final... e isso não é referência a Anne de Green Gables! - frisei, ele riu um pouco mais alto - sou do primeiro semestre de Design Gráfico e de humanas, totalmente de humanas! Então eu não vou entender nem metade do que você disser sobre contabilidade... a menos que envolva regra de três, isso eu domino.

Chacoalhamos nossas mãos como bons recém conhecidos. Confesso que, o sorriso dele era bem bonito, as ruguinhas de sorriso no canto de sua boca me chamaram atenção um pouco demais.

- SkyE?
- SkyE!
- Bom, SkyE, agora que somos oficialmente conhecidos, quer comer um sanduíche aqui na lanchonete do lado? Como presente de boas vindas hoje é por minha conta, podemos falar mais sobre regra de três lá.

Eu nem era do tipo interesseira, mas sempre fui facilmente conquistada pelo estômago - ainda mais se estiver morta de fome como agora.

- Sabe Gus, acho que vamos nos dar muito bem... - dei dois leves tapinhas em seu ombro.
- Meu atrevimento me rende boas amizades, quem sabe não é o nosso caso.
- Garanto que o seu amigo que roubou o sanduíche diria o mesmo.

Ele riu novamente, garantindo um sorriso meu e minha atenção.

- Vai mesmo rir de tudo que eu falo?
- Gosto de pessoas bem humoradas, o que posso fazer se você é uma delas?
- Apesar de eu falar mais que a boca dizem que sou legal, se estiverem certos pode ser que goste de mim.

Quando eu era criança, o que mais ouvia minha mãe dizer pra mim era "se você encontrar alguém que tenha paciência para as suas tagarelices, ou vocês vão se amar de primeira ou se odiar pro resto da vida".

- Acho que você está um pouquinho atrasada Skye South...
- Ah estou?
- Sim - ele se aproximou da minha orelha, eu mantinha os braços cruzados e um sorriso irônico no rosto - eu já gostei de você.

É, escutem o que suas mães tem a dizer crianças, porque quase sempre elas tem razão.




Eu olhava as fotos e os desenhos sem parar, esfregava os olhos, piscava várias vezes, me beliscava e os olhava novamente começando a achar que fiquei bêbado só de sentir o cheiro da vodka que me ofereceram na festa. Dá pra acreditar que se a minha mãe e o Gus estivessem juntos até hoje eu e a Meredith seríamos quase primos? Nós seríamos da mesma família!?
Senti arrepios só de imaginar a minha família e os Saint sentados na mesma mesa no natal, se abraçando e se presenteando com um enorme sorriso no rosto. Quase ri. Era difícil até de visualizar uma cena dessas. Me pergunto se isso ainda chegou a acontecer alguma vez.
Mas mesmo que tivesse acontecido, pra eu nunca ter ficado sabendo da existência desse casório eles devem ter terminado de um jeito terrível.
Eu conhecia a maioria dos ex namorados da minha mãe, e não foram poucos!! Teve o Samuel do campeonato de surf, o Kit da lojinha exotérica, o Kurt do barzinho, a Mia do festival de música, a Caroline da aula de Ioga... mas nenhum desses lances foram além de um mês e meio ou dois, e quando eu menos esperava, lá estava Skye solteira novamente e com uma boa amizade estabelecida com seu ex. Então imagine como minha cabeça não está com a possibilidade de que ela já tenha se casado depois de anos vendo minha mãe ter romances relâmpagos? Talvez o término tenha sido tão péssimo que ela nunca mais conseguiu firmar um relacionamento sério.
Eram tantas possibilidades, tantas perguntas, tanta coisa passando pela minha cabeça que sentia que meu cérebro poderia explodir a qualquer momento!