Dois

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“Quer almoçar?” perguntava sabendo que ele não recusaria a comida. Claro que não recusaria, aquele corpo precisava de boas refeições fartas, mas havia um outro motivo, as vezes eu via que ele não almoçava, quando almoçava comprava sua própria comida, raramente ele mesmo cozinhava. Da minha casa era possível ver sua cozinha, ou parte dela através das janelas, nunca havia panelas em seu fogão. Ele entrava e minha mãe servia-nos. Ela adorava cozinhar, e adorava quando comiam de sua comida. Pelo menos uma vezes na semana ocasionalmente eu o convidava de modo despretensioso, mas a verdade é que eu tinha muita pretensão na minha oferta de almoços grátis.

E de um modo sutil eu sentia que ele gostava de ser bem tratado. Por ele tirava os próprios sapatos de seus pés e depois suas próprias roupas para que se deitasse comigo nu.
 
— Hmmm então é por ele que derrete o picolé?

Dei um pulo saindo de meu devaneio, tirei o lápis do canto da boca. Camila espiou por cima de meus ombros com um sorriso malicioso.

— Está louca?!

— Ah Nico. Eu sei que você não gosta da fruta.

— Pare de dizer isso. — falei irritado. Dei uma pausa mas fiquei curioso, será que dou pinta? — Como sabe?

Ela riu e colocou o caderno ao lado se jogando na cama. Olhei para a janela mais uma vez, César estava limpando suas mãos sujas depois de tira-las do motor de sua velha Mercedes-Benz perolada.
 
— Você não olha para meus peitos, ou minha bunda como outros garotos...

— Isso se chama respeito Camila.

— Nico, você sabe, estamos na metade do último ano da escola. Não existe isso. Os meninos querem as garotas e as garotas querem meninos e você não quer nada.

— E como vai me querer se não quero nada?

— Exatamente isso, se você tivesse interesse em meninas elas o queriam.

— Você já me quis?

— Uma vez... Mas como eu disse você não estava interessado e agora... — ela se levantou e olhou pela janela — Sei bem o motivo.

— Pare de dizer isso e pare de rir. — falei fazendo ela parar as risadas — Vamos terminar a lição.

— Vou guardar segredo.

— Não há segredo.

Ela riu de modo com que estivesse cheia de razão. Abandonei meu posto de vigia e retomei a lição, embora eu tivesse colocado a escrivaninha de frente para a janela para que eu passasse a maior parte do tempo vigiando o vizinho eu não podia fazer o uso da mesma com Camila aqui, ou ela faria uma nova descoberta, como se não estivesse claro o suficiente que eu quem era o vizinho tarado.

Eu sabia que embora Camila fosse minha melhor amiga, a escola era um lugar de caos, fofocas quentes, e que adoravam saber sobre a vida alheia. Então quanto mais deixasse essa situação toda por debaixo do tapete era nítido que fora do escondido aquele assunto poderia se tornar um caos.

Levei ela até a porta, onde um seu irmão veio a buscar horas depois.
 
— Não esquece de que vamos para a festa noturna na Disco. Arruma um novo RG — disse ela no abraço de despedida e cochichando — Tchau Nico. — acrescentou ela em um tom mais alto.
 
César do outro lado observou a cena atentamente. Ele limpava suas mãos em um tecido de linho velho, parecia cansado, as vezes passava o dia todo tentando arrumar o motor de seu carro que quase toda semana dava problema. Camila entrou no carro, ela sempre usava brincos grandes de argola, seu cabelo crespo preso em um coquep mas bem rente a cabeça, e seus lábios carnudos de gloss. Ela tinha os olhos amendoados e sempre usava rímel em seus cílios já curvado, adorava exibir seu corpão com roupas curtas.

Quando o carro se foi, César me olhava do outro lado da rua, dessa vez um cigarro pendia seus em seus lábios. Ele não era um fumante compulsivo, fumava charutos quando estava  em alguma conversa classica ou em um momento de distração, de vez em nunca, e cigarros quando estava ansioso. Ele me olhou com o olhar semicerrado e sorriu com um riso da lado.

— O que foi? — perguntei ao ver sua cara risonha.

Aquela expressão era a qual ele quase nunca fazia atoa. Eu gostava daquela expressão, quase sempre ele me olhava assim com ar de riso, como se eu estivesse prestes a contar uma ótima piada. Algumas pessoas costumavam dizer que eu tinha um jeito engraçado, talvez eu seja apenas cativante.

— Nada NICO — disse ele afinando sua voz no tom máximo e mesmo assim não conseguia sair tão fina.

Ele está fazendo da palavra Nico uma piada, com um biquinho final na expressão e levando as mãos na cintura como se fosse uma garota. Ele estava debochando e isso me fez rir, ele havia descoberto meu apelido da escola. Para ele eu era apenas Nicolas, nada de Nico.

 Dei uma risada da cena e coloquei a mão no rosto.

— Seu padrasto está ai? — perguntou ele.
 
Comecei a atravessar a pequena rua que era bem estreita.

— Não. — dei uma pausa — ele ainda está no trabalho.

Sua garagem estava aberta e o carro parcialmente na calçada. Ele chutou os pneus e reclamou eu encostei no carro.

— Namoradinha? — perguntou ele e quanto enfiava seus braços fortes no motor do carro.
 
— Hã não... — ele ergueu a cabeça me olhando

— Nem umas pegadas? Passada de mão nada?

Neguei com a cabeça.

— Garoto você devia experimentar os sabores da vida — ele tirou uma das mãos do carro, ajeitou pacificamente seu cigarro e puxou um cabo do motor em seguida apontou o mesmo para mim — Eu na sua idade já metia a vara nas meninas tudo. Pena que ela é de menor, pois senão eu traçava, ela é gostosinha até.

Fiquei envergonhado, e parte de mim sentiu ciúme. Eu gostava quando ele falava de coisas assim com meu padrasto, não comigo, comigo eu me sentia incomodado pois não sabia o que dizer e agora eu estava enciumado dele ter olhado para a Camila com esses olhos gulosos como se não fosse um homem comprometido.

— Problemas com o carro de novo?

— Hum, essa lata velha sempre me dando trabalho. — Ele chutou o pneu da lateral do carro onde eu estava parado enquanto analisava o cabo que retirara do motor

— Uhum. — me aproximei dele — Sabe, fumar perto do carro, ou enquanto voce arruma ele, pode ser perigoso.

Falei prosaicamente a palavra perigoso enquanto tirava o cigarro de seus lábios. Ele me olhou com aquele olhar risonho novamente. Olhei para os lados de modo sorrateiro, para todas as casas que pareciam vazias e traguei o cigarro que estava pela metade.

— Esta maluco? Se sua mãe ver vai pensar que eu quem te dei! — sussurrou ele num tom bravo

Abaixo o cigarro junto da lateral do corpo com medo de realmente alguém ver, mas sorri para César .

— Você fala como se nunca tivesse feito coisas erradas. — disse eu e traguei novamente.

Ele puxou a manga da minha camisa de elastico sutil e soltou em meu corpo fazendo um efeito elástico em seguida riu. Pegou outro cabo na bancada semelhante ao que retirou do carro e pronunciou:

— Você é ousado garoto.

Ele me olhou e olhou seu antigo cigarro, que agora era meu, fumei novamente o encarando e sabendo que ele queria aquele negócio de volta. Eu não devolveria, ele sempre diz que sou astuto. Se ele não estivesse de bom humor jamais ousaria provoca-lo. Ele sabia que eu fazia coisas escondidas, principalmente de minha mãe como ao invés de ir nas baladas matinais para jovens de domingo, fugir para as baladas noturnas da qual eu não podia entrar. Mesmo com a entrada restrita pelos Leões de Chácara ainda sim eu invadia os locais.

A DescobertaOnde histórias criam vida. Descubra agora