Capítulo 10 - Uma tortura adorável

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Miguel

    José e eu não fomos mais os mesmos depois do nosso beijo, era estranho como após um momento de tanta intimidade nos transformamos em completos estranhos. Odiava distanciá-lo, e eu sabia que era eu quem o afastava, mas ele era o meu cunhado.

    "Meu cunhado", que estranho era pensar nele assim. José tinha esse título antes mesmo de eu conhecê-lo, mas de repente ele era tantas outras coisas para mim.

    Era o cara que tinha um poster do Naruto no quarto. O cara que escrevia histórias e que olhava pro celular pra ver a hora duas vezes, pois na primeira não prestava atenção. Ele era a pessoa que, antes de ver um filme, anotava o nome do diretor no começo de uma folha e passava o resto do longa fazendo anotações sobre a direção. José era um fanático por arte e por palavras, era a pessoa que me vinha à mente quando algo curioso acontecia.

    Enquanto passava meus dias no seu escritório, lugar que ele só entrava quando eu saía, aproveitei para observar as suas coisas. Haviam tantos livros e papéis que me vi várias vezes com um sorriso bobo vendo algumas coisas que ele havia escrito. Suas palavras me aproximavam um pouco das nossas curtas boas lembranças.

    Após a tal Mariana ir embora no domingo, as coisas conseguiram piorar. Bia tentava interagir mais comigo e eu não estava querendo falar, me sentia mal conversando com alguém que eu sentia que devia algo, mas precisava dela. Era minha família.

    Havíamos voltado para o mesmo clima de quando eu e ele não nos conhecíamos, a sensação era a mesma. José passava o seu tempo concentrado em alguma leitura ou com Bia, vale ressaltar que estava muito mais dedicado a ela do que antes, era notável.

Me perguntava se o nosso "lance" o havia feito perceber seus reais sentimentos por minha irmã e, se aquela fosse a razão da sua desenvoltura, ao menos meu sofrimento havia tido um bom motivo. Me incomodava e agradava a ideia de ter sido útil para o relacionamento dos dois, me sentia levemente usado.

O problema estava nas vezes que os nossos olhos se cruzavam por alguns segundos e tudo o que eu sentia aparecia refletido no castanho dos seus olhos. Me sentia como um adolescente vivendo um primeiro amor não correspondido, daqueles que escutam músicas emocionantes e ficam imaginando cenas na cabeça com a pessoa. Uma desgraça completa.

Estava cansado daquela situação, comprei uma passagem de ônibus para São Paulo que sairia no dia seguinte às seis horas da manhã. Já haviam se passado dezessete dias desde que José havia me arrastado de volta para o apartamento dele. Aquela expressão "perto é ruim, longe é pior" nunca esteve tão errada, era uma tortura ficar perto de alguém que estava tão distante em pensamento.

- Vou pra São Paulo amanhã - resolvi que dizer na hora do jantar era a opção mais agradável, pois não queria dar tempo para Bia pensar em coisas para me impedir de ir. Nem pra José.

    - Mas já, Mig? Tem certeza que está bem para ir?

    - Absoluta, pode ficar despreocupada. Vou ficar com um amigo que mora lá.

José não disse nada, mas parecia ter sido surpreendido. Parte de mim queria que ele se opusesse, que dissesse que eu devia ficar e que minha atitude era muito irresponsável, mas eu sabia que ele não diria nada, pois não era verdade. Eu estava perfeitamente bem.

    - Que horas você vai?

    - 06:00, achei melhor assim.

    - 06:00? Tão cedo?! Isso é daqui algumas horas! - exclamou José do outro lado da mesa, parecia chocado. Não mais que eu, claro.

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