Miguel
- Olha, eu juro que não fui eu quem pegou sua carteira – a tal da Alice estava tentando me obrigar a confessar um crime que eu não tinha cometido. E daí que o estado no qual eu me encontrava era suspeito? Só porque eu havia dormido na praia, acordado com uma olheira terrível de manhã e cheirava a fumo, não significava que eu a havia roubado e que podia ser arrastado por uma viatura até a delegacia como um criminoso e junto de mais uns três caras que eram realmente, ou não, criminosos.
- Mas estava pendurada na sua mochila!
- Exatamente! Você acha que eu penduraria na mochila? Eu teria deixado nas minhas mãos pra poder me livrar dela em caso de perseguição, como o verdadeiro ladrão fez! Por que continua insistindo? Sumiu algo daí de dentro?
- Todo o meu dinheiro sumiu! Você precisa me devolver o que pegou, por isso viemos até aqui!
- Tá, quanto tinha? Eu te dou.
- Que? – a garota parecia chocada, mas ignorei. Se eu pudesse evitar confusão, eu evitaria.
- Me fale a quantia, se eu tiver, dou pra você.
- Você é louco, vamos resolver isso como manda a lei.
- Nossa, mas que cidadã justa! A lei é chata, Alice. Tá vendo esse monte de gente aqui? Esse lugar tá uma zona, não sei se você reparou, mas eu, que sou na teoria o criminoso, estou sentado aqui ao seu lado e eles nem repararam! Se formos ficar aqui, vai levar o dia todo. Tem certeza que não quer resolver isso só comigo e seguirmos com nossas vidas como se nada tivesse acontecido? Por sua causa, eu já tive até que ligar pra uma pessoa que eu não vejo há dois anos e eu não pude chamar mais ninguém porque o número dele é o único que eu me dei o trabalho de decorar, então, por gentileza, colabore comigo.
- E o que você propõe? – ótimo, ela parecia convencida.
- Me fale a quantia que tinha.
- Trezentos reais.
- Tudo isso? Anda sempre com esse dinheiro todo pela praia?
- Eu tinha acabado de receber por um trabalho, estava apenas de passagem pela praia!
- Ok, ok... Vou te dar o dinheiro – eu tinha exatamente trezentos e trinta reais, não me sobraria quase nada, mas José estava indo me buscar, então ele poderia me ajudar.
José. Que estranho era contar com essa pessoa. Eu havia passado os últimos dois anos fazendo todo o tipo de coisa como um louco com a intenção de não pensar naquele homem e, de repente, haviam apenas minutos que me distanciavam dele.
E era incrível como esse fato me parecia mais importante do que o fato de estar numa delegacia.
Peguei meu dinheiro e entreguei para aquela doida, e lá se iam os restos dos meus bicos do último mês. Me levantei com a intenção de sair de lá o quanto antes, mas quando eu virei meu rosto em direção à porta, vi a silhueta.
Aquela silhueta.
Ele estava ali, de pé no meio de um monte de pessoas cujas histórias eu não conhecia. Parado, como quem não se importa com o ambiente que pisa. Quando ele me olhou, me senti hipnotizado e envergonhado. Não queria que ele me visse daquele jeito, mas eu estava tão vidrado que não conseguia me mover nem um centímetro. Nem pra perto e nem pra longe.
Ele estava igual, era como se não tivesse passado nem uma semana pra ele. Me senti tão distante, como será que eu estava aos seus olhos? Ele devia ter ficado assustado e se perguntando: "O que diabos aconteceu com esse cara?".
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Como me vejo em você
RomanceE se o sentimento mais terno que já sentiu em sua vida fosse visto como um pecado? Seria você capaz de abandonar um paraíso pela pequena chance de não cair em desgraça? José é um roteirista, Miguel é um viajante. José é caseiro, Miguel adora uma fa...