Capítulo 1 - Como música clássica

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José

       Era verão de 2018 quando conheci Beatriz, a estudante mais bela da faculdade de Jornalismo no Rio de Janeiro. Ela visitou minha faculdade para fazer uma matéria sobre grandes produções cinematográficas, foi consultar os veteranos de cinema e, por conta de um engano, fui entrevistado por ela.

​ Beatriz e eu nos tornamos amigos e nos víamos sempre, estar com ela era confortável e agradável, deve ter sido por isso que depois de namorarmos por sete meses eu aceitei me casar com ela em 2019. Sim, foi ela quem me pediu em casamento.

​ Nos casamos em janeiro de 2020, nossos familiares e amigos íntimos compareceram à cerimônia e tivemos uma lua de mel muito confortável em Campos de Jordão, onde passamos muito frio e provavelmente engordamos uns cinco quilos.

​ Como recém-casados, não sofremos o impacto da pandemia que assolou o mundo. Ficamos em casa usufruindo do nosso tempo juntos e planejando projetos interessantes para as nossas carreiras. Enquanto ela criava uma revista online de fofocas, eu comecei a escrever um roteiro sobre um jovem que viajava o mundo em busca de um emprego estável e acabou vivendo várias vidas em uma só.

​ Era um roteiro que não acabava, sempre apagava várias cenas após escrevê-las porque não via verdade em minhas palavras. Faltava algum sentimento naquelas falas que eu não conhecia, então parei de escrever e comecei a treinar fotografia. Passava a maior parte do tempo com uma câmera no meu pescoço registrando tudo o que de alguma forma me tocava, na esperança de encontrar a resposta para o meu incompreendido roteiro.

​ Atualmente estamos em junho de 2021, a pandemia no Brasil já está numa situação melhor, apesar de ainda mantermos o cuidado de usar máscaras sempre que saímos e levar o álcool em gel conosco. Beatriz e eu moramos no Rio de Janeiro no começo do casamento, mas nos mudamos para um apartamento aconchegante na Praia Grande, para fugir um pouco da agitação da cidade grande.
​Pensamos seriamente em ir para alguma cidade no interior de São Paulo, mas não sabemos viver sem um mar, então uma praia menos populosa foi o alvo perfeito. Vivíamos muito bem.

​- Amor? O que tá fazendo?

​- Tô tentando arrumar esse computador velho, podia ser útil pra gente.

​- Mas não precisa, José. Já temos dois notebooks bons, por que arrumar essa caixa velha?

​- Porque está quebrado. Coisas quebradas devem ser consertadas.

​ Beatriz revirou os olhos e foi pra cozinha, estava treinando uma receita de massa de macarrão para publicar na revista pessoal dela, que surpreendentemente estava trazendo um lucro interessante. Ela continuava falando lá da cozinha, mas eu não conseguia escutar nem uma palavra.

​ - José?

​- Uhum...

​ - José!

​- Oi?

​- Você escutou alguma coisa do que eu acabei de dizer?

​ - Nem uma palavra.

​- Então preste atenção agora.

​ Parei o que estava fazendo, me levantei e fui até a cozinha. Chegando lá, Beatriz me olhou com uma cara de "não precisava vir até aqui, mas já que veio..." e me deu um copo de limonada.

​ - Meu irmão vai vir ficar aqui em casa nessas férias.

​ - O Fernando?

​- Não, o Miguel. O Fer é muito criança para vir ficar com a gente.

​ - Miguel? Aquele dos EUA?

​- Sim, você finalmente vai conhecê-lo! Tenho certeza que vão se dar muito bem. Miguel tem quase a nossa idade, terão mais assuntos em comum do que quando o Fer vem nos visitar.

​- Mas eu tenho assuntos com o Fer.

​- Ficar falando de Naruto não é considerado uma conversa. Vocês ficam apenas tentando mostrar quem aprendeu mais sinais de mãos daqueles jutsus sei lá das quantas.

​- Você só fala assim porque nunca assistiu direito, é muito bom.

​- Enfim, tudo bem pra você o Miguel ficar aqui?

​- Claro, por que me oporia? Com certeza nem vai parar em casa, vai ficar procurando lugares pra se divertir.

​ - Estamos numa pandemia, ele vai sossegar.

​- Não existe pandemia pra quem gosta de sair, sempre há uma desculpa maior.

​- Você nem o conhece, vai se surpreender.

​- Tá bom. Quando ele chega?

​- Amanhã, provavelmente.

​ - Nossa, vejo que fui avisado com muita antecedência.

​- Eu sabia que não ia se opor, acabei esquecendo de comentar.

​- Ok, não tem problema. Vou tomar um banho, quero descansar logo, tive um dia longo – Deixei meu copo na pia e dei um leve beijo de boa noite em Beatriz, estava exausto.

​ E novamente amanheceu, havia algo de estranho nessa manhã de domingo. Diferente dos outros dias, uma força estranha me empurrava para fora da cama. Uma energia inexplicável que me fez ir correndo até a praia.

​ O vento gelado contra o suor da minha pele dava uma sensação eletrizante. As ondas vinham e se desfaziam como sempre, tudo estava normal, mas não estava. Um misto de bravura e curiosidade percorriam pelas minhas veias, algo importante iria acontecer e não demoraria muito.

​ Quando eram umas nove horas resolvi voltar pra casa. Arranquei a regata que eu vestia e notei ao chegar que haviam malas na sala, o tal Miguel devia ter chegado.

​- Finalmente voltou, o Miguel já chegou!

​- Fui caminhar na praia e... – O tempo congelou.

​- E?

​ Minhas palavras sumiram. Diante de mim, saindo de minha varanda, a criatura mais bela que eu já havia visto em toda a minha vida. Era parecido com sua irmã, mas nem se comparava. Seus olhos eram tão azuis quanto o mar que eu havia admirado há pouco.

​ Ele se aproximou de mim e me estendeu sua mão, em um cumprimento educado:

​- É bom finalmente conhecê-lo, a Bia já falou muito de você.

​ E sorriu, que pecado! A voz era como aquelas melodias que escutamos várias vezes e não nos enjoamos, como música clássica. Soltei o ar que nem sabia que estava segurando e procurei por toda aquela energia que sentia alguns minutos atrás para formar alguma frase.

​- Muito prazer, Miguel.

​ E ali, segurando minha mão, estava a resposta que eu tanto procurava: um sentimento que, sem sombra de dúvida, eu abominaria.

​ Miguel.

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