Capítulo 5 - Papo piegas

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José

Tirei Miguel da casa o mais rápido que pude, o coitado havia passado a tarde toda com uma expressão que implorava que fosse resgatado dali, daquelas pessoas. Me preocupava o seu estado de humor, parecia que ele era o coração da família, suas emoções afetavam todos.

Quando estávamos no carro, comecei a dirigir com a maior velocidade que eu podia e, após pensar um pouco, entendi que quem queria fugir era eu. Não aguentava mais a energia daquele lugar, toda aquela situação que eu agora era capaz de entender.

O olhar triste e frio da minha sogra, o olhar distante e silencioso do meu sogro, tudo fazia mais sentido agora. Quando os vi dessa vez, não os cumprimentei com o sorriso transparente de antes. Eu havia escolhido o meu lado naquela história e era tarde demais para passar um pano na imagem manchada que ficou deles.

Miguel me disse que toda a situação foi estranha, mas manteve um meio sorriso no rosto o tempo todo. Enquanto eu dirigia, só conseguia observá-lo de escanteio, mas o escutei cantarolando as músicas que o próprio havia colocado no Corolla da Dona Érica. Suas músicas eram todas ótimas, eram todas músicas que eu já havia escutado alguma vez enquanto escrevia, já que elas despertavam o melhor em mim, coincidentemente.

O ajudei a se esquivar das perguntas mais inconvenientes durante a festa, mas tudo melhorou quando Beatriz chegou com os seus pais e roubaram a atenção das tias fofoqueiras. Após comermos as maravilhas que Bel havia cozinhado, fui arrastado por minha esposa para dançar.

- Por que você tá assim? – questionou ela.

- Assim como? – respondi.

- Aéreo. Não falou direito com ninguém hoje e seu humor muda toda hora.

- Voltei a escrever no meu roteiro – essa era a melhor desculpa que eu podia dar pra Beatriz, ela entendia que meu jeito sempre mudava quando escrevia, e não era uma mentira, eu realmente havia voltado.

- Ah sim, tá explicado! – Ela me abraçou mais forte e eu lhe retribuí. Eu podia ser o cara mais confuso do mundo com relação aos meus sentimentos, mas era verdade que adorava minha esposa. Não devia haver uma mulher mais especial que ela, era a melhor amiga e companheira para se ter ao lado em qualquer momento. Beatriz era a leveza personificada.

Após todos estarem suficientemente bêbados, menos eu porque estava dirigindo, a festa ficou interessante. Todos pagando micos e dançando terrivelmente mal, era ótimo ser o único sóbrio.

Miguel estava dançando igual uma lagartixa com a irmã, eu não conseguia parar de rir, devia ser a cena mais engraçada que eu já havia presenciado de duas pessoas bêbadas. Ele pareceu notar que eu estava rindo dele, pois se aproximou de mim e me puxou pra dançar com eles.

- Não vou participar disso, pode esquecer! – Disse enquanto ele já me arrastava, era inevitável segui-lo.

- Dançou mais cedo com a Bia, vai dançar comigo sim! – Começou a tocar Ragatanga e vi que a minha sina estava traçada, todos iriam dançar aquela música, era quase uma regra.

Não sei o que estava acontecendo comigo, mas fui contagiado pelas pupilas dilatadas dos olhos azuis de Miguel e fiquei lá dançando com ele. Não tínhamos coordenação nenhuma e errávamos todos os passos, mas nunca havia me divertido tanto! Ainda por cima sóbrio, que era o meu estado de espírito menos interessante.

Passados uns trinta minutos de pura adrenalina, notei que Dona Érica e o Senhor Fábio foram dormir no quarto de hóspedes e decidi que o melhor a se fazer era levar Beatriz e Miguel para a casa dos pais. Coloquei os dois no carro e eles não paravam de cantar uma música que eu não conhecia e nem entendia, eles gritavam e era impossível entender sequer uma palavra.

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