Capítulo 14 - Sozinhos

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Miguel

         Foi uma decisão completamente impulsiva a de chamar Nicolas para morar comigo. Em nenhum momento antes daquele jantar eu havia cogitado tal hipótese, mas ver a maneira como ele estava se humilhando diante de José me deixou agoniado o suficiente para querer provocar o meu "pedaço de mal caminho".

         Claramente havia funcionado, José ficou irritado e Nicolas animado. E, de repente, a ideia não me parecia mais tão absurda. Seria agradável viver com o Nick, ele era divertido e organizado, o único ponto que não me agradava era o lugar. Era muito perigoso ficar na Praia Grande com os meus nervos à flor da pele toda vez que passava pela notável existência de José.

         Passamos a noite planejando alguns detalhes que precisariam ser providenciados, mas depois de uma hora de conversa, eu já estava de saco cheio. Organizar coisas não era muito o meu forte, mas por sorte Bia adorava e ficou auxiliando Nick com a lista de coisas a serem feitas. Depois que todos foram dormir, inclusive eu, uma dor chata ficava me incomodando no dedo do pé, devia estar encravada de novo, como sempre ficava. Resolvi fazer algo a respeito.

         José saiu do quarto e foi para o banheiro, parecia irritado. Será que Bia e ele haviam discutido? Achei melhor não me meter. Pretendia não falar com ele, mas aparentemente não pensou o mesmo, pois me deu uma bronca por estar cutucando minha unha com apenas a luz da lanterna do meu celular, que estava apoiado entre meu queixo e joelho.

         Quando eu lhe disse qual o conflito que estava assolando minha mente, no caso a minha unha, ele se ajoelhou e segurou meu pé com as duas mãos, como se fosse a coisa mais normal que já tivesse feito. Gostava da simplicidade e intimidade que um ato banal como aquele me passava. Era ótimo saber que tínhamos liberdade para essas pequenas atitudes.

         José praticamente me arrastou com os olhos até a varanda, na verdade, a maneira como ele me pediu para ir com ele até lá parecia muito mais com uma ordem, então achei melhor não questionar e só fazer o que ele pedia. Mania estranha essa dele de querer tomar a frente do problema de todos, os dele deviam ser muito absurdos para querer se distrair com os dos outros.

         Ele parecia enciumado sobre minha relação com o Nick, não parava de tocar no assunto. Queria que ele realmente tivesse motivos para ciúme, pois não existia nada tão real pra mim quanto ele ali, ajoelhado e cuidando do meu pé, de mim. José era tão lindo, não tinha nem espaço na minha cabeça para pensar em Nicolas.

         Durante os dois anos que havia passado sem ele, eu havia ficado com todos os tipos de pessoas possíveis, tentei absolutamente tudo, mas nada tirava aquele chato da minha cabeça. Eu o adorava, como se fosse uma profecia da qual só eu tinha conhecimento. Uma crença que eu seguia com fé cega.

         Minha mão direita alcançou seus cabelos com a ponta dos dedos num gesto quase involuntário, minha mente não tinha um autocontrole perto dele. Queria tanto ser mais forte, mas aí ele me tratava como criança e eu me desmanchava completamente. Como alguém que está na ponta do pé à beira de um precipício.       

         Eu queria agarrá-lo ali mesmo, mas me contive. Na verdade, acho que foi ele quem me conteve, considerando a maneira como saiu correndo assim que "consertou" minha unha. Era tão fofo ver um homem daquele tamanho todo perdido. Parecia mais criança que eu algumas vezes.

         Passado mais ou menos um mês de bagunça, Nick e eu nos mudamos para o "nosso apartamento". Que estranho era falar daquela maneira, parecíamos casados. Meu quarto tinha ficado legal, fazia muito tempo que eu não montava um pra mim. Sempre ficava em cantos nas casas dos outros, nunca um canto de fato meu.

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