Capítulo 16 - Sem querer, o queria mais

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Beatriz

Me apaixonei por José na primeira vez que o vi naquela faculdade de cinema. Antes mesmo de ele me ver, eu já o observava passando pela biblioteca todos os dias. Ele costumava pegar vários livros e fotografar algumas páginas, depois ele saía e ia embora pro seu apartamento que eu descobri só depois que ficava uns três quarteirões de distância do campus.

         Na primeira vez que falei com ele, no dia da entrevista, agradeci mentalmente pelos veteranos terem mandado justamente ele entre todos os estudantes. Foi uma coincidência que marcou minha vida para sempre, eu nunca mais fui a mesma depois da timidez dos olhos cor-de-chocolate que José tinha consigo.

         Depois daquela vez, nos encontramos mais vezes em algumas cafeterias ou lanchonetes, nos tornamos grandes amigos. Os melhores. Nosso primeiro beijo havia sido no apartamento dele no Rio, quando percebemos que gelatina de limão era a favorita de ambos. Lembro de todos os detalhes como se tivessem acontecido cinco minutos atrás.

         José e eu nos casamos em janeiro de 2020, nossa cerimônia havia sido simples, apenas para os mais próximos. Lembro que a única pessoa de sua família que compareceu foi sua mãe que, de acordo com o próprio, era a única presença com a qual se importava. Achei estranho, pois ele já havia mencionado outras pessoas de sua família antes, então deduzi que esse era um tópico no qual eu não deveria me meter nunca. E eu nunca me meti.

        Na verdade, seu passado antes do Rio de Janeiro nunca era um assunto entre nós dois. Sempre que conversávamos, era sobre filmes, livros e artistas que ambos gostávamos. Nunca sobre o íntimo dele, parando pra pensar, talvez eu nunca tenha o conhecido de verdade. Eu só via o que ele me mostrava, nunca forcei nada e sempre deu certo. Nosso casamento sempre foi maravilhoso e equilibrado, ao menos pra mim.

        Eu nunca devia ter sugerido que meu irmão viesse passar as férias conosco em 2021. Nunca.

        José nunca mais foi o mesmo depois do minuto que entrou na nossa sala e conheceu Miguel. No começo eu não entendia direito, pois parecia que ele era indiferente à situação, mas depois, de repente, pareciam íntimos como irmãos. Eu não sabia direito o que pensar, pois José nunca foi de ter muitos amigos, mas cogitei que ele estivesse se esforçando por Miguel ser meu irmão, e fiquei muito feliz com aquela possibilidade.

       Como eu estava enganada.

         Analisando bem, eles sempre tinham umas atitudes que pareciam esquisitas aos meus olhos. A primeira vez que notei algo entre os dois foi na noite que Miguel apanhou de uns caras no aeroporto e José ficou extremamente cuidadoso com ele. Mais que o normal. Meu instinto de jornalista não me permitia fechar os olhos para aquele grande furo.

        A segunda vez foi quando Miguel disse que ia embora e José se levantou da mesa e saiu de casa bravo. A maneira como meu irmão me impediu de ir atrás e saiu correndo na minha frente fez com que eu concretizasse aquela ideia na minha cabeça, mas como ele logo ia embora, resolvi deixar as coisas quietas. Funcionou, pois José ficou atencioso comigo, como nunca, depois que Miguel foi pra São Paulo. Toda a sua atenção era minha, e eu nunca estive tão feliz.

         Mas tudo acabou quando Miguel reapareceu nas nossas vidas mais de dois anos depois. O olhar do José mudou, parecia que havíamos voltado no tempo. Como se dois anos não tivessem existido pra eles, apenas pra mim.

         Cogitei a ideia de conversar com o Miguel sobre isso, pois eu nunca conseguiria entrar nesse assunto com José, mas me faltava coragem. Quando eu falasse, se tornaria real. E, às vezes, eu poderia acabar criando algo que talvez nem existisse.

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