José
Meus olhos mal haviam sido abertos, mas eu sabia exatamente onde eu estava e com quem. Sentia cada centímetro da minha pele por baixo de um lençol branco feito de cetim, haviam braços me envolvendo num abraço confortável e um feixe de luz do Sol aquecendo meus pés que, estranhamente, estavam gelados.
Miguel estava dormindo, seu rosto estava enterrado no meu pescoço. Ao tentar me mexer, vi que uma de minhas mãos estavam nas suas costas, ou seja, meu braço estava preso embaixo de seu corpo. Não conseguiria sair dali nem se eu quisesse, por sorte eu não queria.
Era manhãzinha, não tinha quase nenhum barulho, exceto por alguns pássaros que provavelmente viviam na árvore que tinha na frente do prédio. Miguel tinha um cheiro bom, um cheiro que era tão dele que eu não conseguia comparar com mais nada. Com a mão que não estava presa, comecei uma carícia em seu braço que estava em cima de mim, era tão bom estar com ele.
Memórias da noite passada começaram a voltar na minha mente como um tsunami impiedoso. Eu havia começado tudo. Eu havia traído minha esposa pela terceira vez, sem considerar as vezes em pensamento, e eu o estava acariciando, apesar de tudo. Não havia lugar nenhum que eu desejasse estar além daquele, não havia mais ninguém que eu desejasse além daquele que respirava tão tranquilamente sobre minha pele naquele momento.
Nunca me senti tão culpado, mas estava aliviado. Eu havia revelado, pela primeira vez, o meu verdadeiro eu para alguém. Que bom que havia sido pra ele, que era mais eu do que eu mesmo, como diria Catherine Earnshaw. Era tão incrível ser parte de alguma coisa, de alguém. Era assim que ele me fazia sentir.
- Está aqui mesmo? – sussurrou Miguel, o que me causou arrepios por todo o pescoço.
- Onde mais eu estaria?
- Sei lá, você tem um histórico de sair correndo quando as coisas apertam.
- Não vou correr dessa vez.
Miguel ergueu o rosto ao me ouvir e nos viramos de frente um pro outro, seus olhos estavam tão abertos que nem parecia que havia acabado de acordar.
- Como assim "não vai correr"? E a Bia?
- Eu amo sua irmã, Miguel. Realmente a amo, estamos há anos juntos e ela é uma companhia que me agrada e alegra, mas...
- Mas ela não é um homem, por isso você não consegue viver plenamente feliz.
- Não é isso, o que eu ia dizer é que só gosto de você. Só você me faz sentir essas coisas estranhas que a gente lê em romances. Nunca conheci ninguém como você – Miguel permanecia estático, parecia esperar que eu dissesse mais coisas, o que não foi difícil, considerando que eu tinha muito a dizer. – Seus olhos, seu jeito de falar e de se mover. Tudo em você é tão fascinante, tenho vontade de te escrever, de te passar pro papel para que as pessoas tentem entender tudo o que eu vejo, mas sinto ciúmes da ideia de alguém poder te enxergar como eu enxergo, apesar de ser besteira.
- Por que "besteira"?
- Porque ninguém conseguiria – levantei meus dedos até alcançarem sua sobrancelha, que estava levemente bagunçada. – A questão é como me vejo em você.
- Como se vê em mim? Isso sim é romântico! – começamos a rir, como ele conseguia tornar tudo tão leve? Parecia que nada era tão sério quando dito pela sua boca.
No entanto, ele entendeu o que eu quis dizer quando disse que me via nele. Era minha maneira de dizer que ele era único, que éramos únicos um do outro. Ele não precisava me dizer nada profundo de volta, pois o beijo que me deu naquela manhã havia sido a resposta que eu era capaz de entender, era quase legível.
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Como me vejo em você
RomanceE se o sentimento mais terno que já sentiu em sua vida fosse visto como um pecado? Seria você capaz de abandonar um paraíso pela pequena chance de não cair em desgraça? José é um roteirista, Miguel é um viajante. José é caseiro, Miguel adora uma fa...