Capítulo 9 - Água e Vinho

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José

    Saí de casa sem hesitar, precisava organizar minhas ideias e planejar o que deveria ser feito. Eu havia sido beijado por Miguel, o havia retribuído e foi tudo tão de repente. Eu costumava pensar que meu forte sentimento por ele fosse de irmandade, mas por que meu coração batia tão descontroladamente dentro do meu peito? Por que, depois de tudo, o que mais me impressionava era saber que ele sentia o mesmo?

    Fiquei vagando pelas ruas vazias com apenas as roupas do corpo e, de bagagem, só meus pensamentos. Tentava comparar os sentimentos que eu sentia por ele com os que eu sentia por Beatriz, mas eram tão distintos! Eram como água e vinho.

    Beatriz era como a água, saudável e refrescante, que garante a nossa vida. Miguel era o vinho que a gente toma pra dormir melhor, mas na verdade tomamos pelo simples prazer de apreciar o sabor concentrado da uva com o álcool. Quando encarava a situação dessa maneira, ficava decepcionado ao constatar que água era mais importante que vinho. E me decepcionava ainda mais por ficar decepcionado.

    Amanhecia o dia e eu continuava em movimento, como se andar fosse mesmo resolver meus problemas. Resolvi que deveria voltar quando percebi que as pessoas estavam indo almoçar, Beatriz ficaria preocupada comigo se eu demorasse mais.

    Cheguei na frente do prédio da nossa casa, mas não conseguia entrar. Estava com medo de ver Beatriz, mas ainda mais de ver Miguel. Onde estava a minha força quando eu mais precisava dela? O que ele havia feito com a minha mente, que antes era tão sã?

    Ao entrar no apartamento, resolvi que agiria normalmente, como se tivesse saído caminhar cedo e ido longe demais.

    - Onde é que você tava? Tentei te ligar um milhão de vezes!

    - Meu celular tá aqui em casa, não levei – ela parecia estar algo entre brava e triste, será que...?

    - Graças à Deus você voltou, precisa nos ajudar!

    - O que aconteceu?

    Beatriz estava numa agitação que me deixava bastante preocupado e, para piorar, não me respondia. Onde diabos estava Miguel para ajudar a irmã, que estava tão desesperada?

    - Bia tá preocupada porque Miguel sumiu – disse Mariana com a voz mais serena do mundo.

    - Como assim ele sumiu? Ele tá machucado!

    - Pois é – Mariana falava tão calmamente que me irritava! Como alguém podia estar calmo?!

    Era tudo minha culpa, minha e de mais ninguém. Eu tinha certeza que ele havia saído por minha causa. Por que eu saí correndo daquele jeito? Que ódio! Eu fui um babaca largando-o daquela maneira após ele ter me beijado, não era como se eu o tivesse empurrado ou impedido, eu também havia contribuído. Mesmo quando eu não admitia, eu sabia. Eu sempre soube que aquele momento aconteceria em sonhos ou realidade.

    Peguei a chave do carro e desci pelas escadas de emergência, aquele maldito elevador demorava muito quando precisávamos dele. Acho que Beatriz disse alguma coisa, mas eu não havia escutado.

    Eu estava desesperado, completamente cego. Parecia que tudo que eu via e ouvia era Miguel, como se ele fosse um fantasma que atormentasse apenas os meus pensamentos pelo simples prazer de atormentar.

    Dirigi feito doido pela cidade, acho que fui a todas as recepções de hotéis possíveis perguntando se havia algum "Miguel Alves" hospedado, mas nunca tinha. Quando vi que aquela estratégia era falha, resolvi pensar como ele.

    Miguel estava com pouco dinheiro, então não foi pra nenhum lugar de avião. Eu estava certo de que ele estava num hotel, mas qual?

    Praia! Era lógico que ele ficaria perto da praia, ele amava o mar tanto quanto eu. Continuei minha procura pelos hotéis à beira-mar até que, quando eu já estava quase chamando policiais para me ajudarem a encontra-lo, recebi um "Está sim" da recepcionista.

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