XXVIII

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O cheiro da carne assada é tão bom que parece acariciar minhas narinas, mesmo que eu esteja ocupada nesse momento tentando manter Connie sóbrio. Nego pela terceira ou quarta vez seu pedido de irmos até o depósito roubar um pouco de vinho.

- Se quiser, vá você, mas não conte com a minha ajuda. - Cruzo os braços virando o rosto para a direção oposta a ele.

- Mas eu não consigo sozinho, Stella. - Ele resmunga, frustrado. - Droga, vou desamarrar Sasha.

Lhe desejo boa sorte mentalmente, olhando na direção da garota que estava amarrada a um dos pilares de sustentação do salão depois de ter atacado um pedaço inteiro de carne de boi assada e ter mordido algumas pessoas que tentaram tirar dela. Balanço a cabeça e dou uma risada fraca, me lembrando da cena e do esforço que havíamos feito apenas para conseguir segurá-la.

Ao meu redor, as pessoas parecem animadas. Em geral todos pareciam mais alegres desde a coroação de Historia, que assumiu seu lugar como rainha. Deveríamos estar mesmo animados afinal, éramos livres novamente e na manhã seguinte partiríamos para a missão de retomada da muralha Maria.

Para Shiganshina.

Me lembro das palavras de Zeke, das mãos fechadas ao redor do meu pescoço e do olhar furioso que ele lançava a mim. Fecho meus olhos, decidida a não pensar naquilo afinal, eu não estaria indo sozinha e muito menos, despreparada. A única dúvida que pairava ao redor dos meus pensamentos sem parar por nem um instante é não saber se eu veria Reiner lá. Ele ainda estaria lá com Zeke, assim como Bertholdt e Ymir? Não faço a menor ideia.

De súbito, minha atenção é atraída para o outro lado do salão, onde havia acabado de escutar o som de algo caindo no chão. Me levanto do banco de madeira da mesa onde estou sozinha a tempo de ver que o que caiu no chão não era algo e sim alguém. Eren estava se levantando quando Jean tentou o derrubar de novo, o chamando de suicida. Seguro meu riso entre os lábios e caminho na direção da briga, aquilo seria divertido, afinal.

- Você não deveria ir ajudar ele? - Paro de pé ao lado de Mikasa, que assiste à briga junto de Armin.

- Não, dessa vez não. - Ela responde entre risos, sendo seguida por Armin e a mim.

Os outros soldados assistem conosco os dois garotos que se xingam e se agridem no centro do que havia virado um grande círculo. Pareciam cansados e seus movimentos ficavam cada vez mais lentos, mas não impedia os outros de torcerem e vaiarem. Tenho quase certeza de ouvir alguém apostar um pedaço de carne em Jean. Confesso que apostaria no Garoto Titã se o fosse fazer.

A briga se desenrola por mais alguns minutos, aquilo era de fato divertido. Era como se estivéssemos na unidade de cadetes outra vez. Não demora até que eu sinta um breve empurrão e a figura do Capitão Levi passe por mim, irritada. O homem caminha rápido até os dois garotos ofegantes e disfere um soco que acerta com tudo o rosto de Jean, que cai para trás, jogando Eren para longe com um chute logo em seguida.

A atmosfera animada do salão é substituída por um suspiro de frustração em uníssono com o fim fa diversão. Mikasa e Armin correm para a direção de Eren e olho para baixo, vendo o rosto ensanguentado de Jean, que havia acabado indo parar quase aos meus pés. Tento não rir e estico a mão em sua direção. O garoto a segura com dificuldade e se levanta. A passo por cima do ombro e sirvo como apoio para que ele caminhasse até as escadas que nos levam para o lado de fora.

O distrito de Trost não costumava ser muito frio, mas o outono já estava chegando. A brisa fria fez com que um arrepio percorresse meu corpo, coberto apenas pelo tecido surrado da calça marrom e da camisa branca de botões. Guio Jean até as escadarias em frente ao salão e o faço se sentar ali, me sentando ao lado dele e tirando do bolso um lenço de linho amarelado.

- Quebrou? - Ele resmunga entre grunhidos de dor enquanto eu pressionava o tecido contra seu nariz afim de diminuir o sangramento.

- Não, mas foi por pouco. - Respondo, rindo e em seguida recebendo uma cara feia dele. - Não me olhe assim. O passatempo favorito do esquadrão é apostar quando você e o Eren brigam.

Jean parece indignado por alguns instantes.

- Você apostaria em mim, não é? - Ele ergue uma de suas sobrancelhas.

- Só se eu gostasse de perder dinheiro. - Não seguro a risada ao ver a frustração em seu rosto. - Não fique bravo, Cara de Cavalo.

Jean cede e solta uma risada, interrompida por um gemido de dor. Sussurro um pedido de desculpa e peço que ele mesmo segure o lenço sob o nariz, temendo piorar o machucado. Limpo o pouco de sangue que havia caído em minhas mãos e as junto na frente do corpo, me inclinando para ver as luzes dentro das casas abaixo de nós. Novamente, me pego imaginando como seria viver como eles.

- Você ainda acha que é uma boa ideia? - A voz dele corta o silêncio.

- O quê?

- Ir conosco, sabe. Ele ainda pode estar lá. - Por um instante não sei se ele refere a Reiner ou a Zeke, mas me lembro que não contei a ele sobre as ameaças que havia recebido.

- Eu não me importo se ele estiver lá. É um inimigo como qualquer outro agora. - Menti, me arrependendo no mesmo instante.

- Não minta, Stella. - Ele diz baixinho. - Fui até seu dormitório ontem entregar a jaqueta que havia esquecido no refeitório... Ouvi você chorando com Sasha.

- Mas o que...

- Desculpe, não estava espiando nem nada. - Ele se adianta. - Mas foi impossível não escutar. Não sei se faria bem para você, falo sério.

Fico em silêncio por alguns instantes. Era fácil fingir que aquilo já não me abalava mais enquanto estava na frente de todos, ocupada entre treinamentos e atender as expectativas de limpeza surreais do Capitão. Mas sozinha ou com Sasha, até mesmo com ele ali... Não era fácil de fingir. Eles me conheciam bem demais para acreditarem que eu não me importava mais com a vida de Reiner.

- O que está acontecendo? - Pergunto adentrando a sala, ocupada por Hange e o restante do meu esquadrão. Todos parecem extremamente surpresos ao me ver ali.

- Stella, nós...

- Ouvi comunicarem que a Tenente gostaria de falar com o Esquadrão Levi, exceto eu. - Apoio as mãos na cintura, indignada. - Estão escondendo coisas de mim também?

Silêncio.

- Stella. Eu ia a comunicar depois, achei que ainda não estava pronta... Mas estávamos tratando das novas armas desenvolvidas pelos engenheiros. - Hange explica devagar enquanto eu me aproximo da mesa, encarando as peças reluzentes sobre ela. - Essas são as Lanças do Trovão. Foram feitas...

- Foram feitas para matar o Titã Blindado. Elas explodem e podem quebrar a armadura dele. - Eren completa diante da hesitação de Hange.

Fecho meus olhos diante da lembrança. Aquele havia sido o dia em que entendi que nós mataríamos Reiner e Bertholdt se tivéssemos oportunidade. Que eu teria de tirar a vida dele se fosse possível. Abro os olhos para Jean, que me encara sério.

- Eu penso nele todos os dias. - Confesso em um sussurro. - É ridículo depois de ele ter nos traído, mas é verdade. Eu sinto falta dele todos os dias, Jean.

- Nós sabemos. Você não precisa fingir. - Ele diz e o encaro. - Somos sua família, Stella. Sasha, Connie, eu... E o resto do esquadrão. Nós só temos uns aos outros.

Sinto meu corpo relaxar e me inclino para apoiar a cabeça em seu ombro, fechando os olhos em seguida.

- Agradeço por se preocupar comigo, Jean. - Suspiro. - Mas eu preciso ir. Shiganshina era minha casa.

- Eu entendo. Nesse caso... - Ele passa o braço livre pelo meu ombro, me abraçando. - Vamos estar lá para assistir você dar uma surra no Braun.

The Fallen Warrior | Reiner Braun (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora