XXXV

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Reiner Braun

Mantenho as mãos dentro dos bolsos do casaco enquanto passo pelo grande portão de ferro, ignorando completamente a presença de quem quer que seja o soldado de serviço ali naquela tarde. O quartel está pouco movimentado assim como as ruas do distrito de concentração, afinal, naquele frio eram poucos que se atreviam a sair de casa sem motivo. O vento frio passa pelo meu rosto como se cortasse a minha pele e uiva contra meus ouvidos, abafando os sons que vêm do entorno.

Sinto um alívio assim que passo pela porta de madeira, abrigado ao menos do vento que se mantém forte lá fora. Há poucas pessoas no saguão e passo direto por elas, indo em direção a escadaria que me leva até o andar superior. Odeio aquele lugar tanto quanto qualquer um que o frequenta, não é como se fosse o pior do mundo, mas era um lembrete constante de quem eu realmente sou.

- Achei que não nos daria o ar da graça hoje. - A voz feminina e baixa chega até meus ouvidos e faz com que eu me vire.

- Bom dia para você também, Pieck. - Digo a ela, que se aproxima devagar, as muletas a apoiando em sua caminhada. - Zeke adiantou sobre o que é essa bendita reunião?

- Ele nos disse que tinha conseguido um aliado. Da ilha dos demônios. - Ela pousa os olhos fundos em mim. - Um suposto traidor.

Não paro de andar, mas não consigo esconder minha surpresa diante da fala de Pieck. Nos anos em que vivi naquela ilha tive um vislumbre da lealdade das pessoas que viviam nela umas para com as outras. É estranho demais para mim pensar em alguém que seria capaz daquilo. Não consigo parar de pensar que só pode ser algum soldado da divisão do Reconhecimento, talvez algum dos meus antigos companheiros. Sinto um arrepio percorrer minha espinha enquanto caminhamos em silêncio até a porta escura no fim do corredor, que foi aberta em uma fresta e então a cabeça de Galliard surgiu diante de nós:

- Ah, vocês estão aí. - Ele sai e vem em nossa direção após a porta ser fechada atrás de si. - Zeke já chegou.

- E então? - Pieck pergunta a ele, curiosa.

- É uma mulher. - Ele diz devagar e olha em minha direção, parecendo receoso. - O nome dela é Stella Muller.

Sinto o mundo dar várias voltas ao meu redor e cambaleio um pouco para trás, não caindo no chão apenas porque minhas costas encontraram a parede. É óbvio que eles sabiam sobre Stella, ela estava em várias páginas dos meus relatórios quando os entreguei e até onde sei, o próprio Zeke a havia dado como morta. Posso ouvir meu próprio coração disparado gritar em meu peito para que eu vá correndo até a sala no fim do corredor, vê-la com meus próprios olhos. Mas ao mesmo tempo uma sensação avassaladora de medo me consome, afinal, Stella sempre se manteve ao lado de seus amigos e me parece inconcebível a ideia de que ela simplesmente os trairia. O que havia mudado naqueles anos?

- Reiner, você está bem? - O garoto toca meu ombro e recupero minha postura ereta, balançando a cabeça.

- Eu estou, eu só... - Não completo minha frase, atordoado.

- Você não precisa...

- Não, eu preciso. - Interrompo a fala de Pieck, os deixando para trás logo em seguida e caminhando na direção da sala onde costumávamos nos reunir.

Abro a porta em um gesto amplo a escancarando e passando os olhos pelo cômodo, em torno da mesa coberta com alguns papéis e umas poucas xícaras de café. Pouso o olhar em sua ponta, na figura tão conhecida e ao mesmo tempo tão estranha. Lá estava ela: Stella se mantinha imóvel e com os olhos castanhos arregalados em minha direção. O cabelo muito bem arrumado e não deixo de notar a braçadeira amarela presa em seu braço por cima da manga do casaco escuro.

The Fallen Warrior | Reiner Braun (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora