alstroemeria aurea

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Irá caça-la por todas as cidades,

Até que a tenha levado ao Inferno,

De onde a inveja a libertou.

DANTE ALIGHIERI, Inferno, Canto I.


O calor a que estava habituado lhe abraçava, gotículas de suor lhe lambendo a derme. O ar aquecido pela constante luz solar que entremeava-se pelos galhos e folhas do pessegueiro onde estava apoiado, recortes luminescentes em seu braço desnudo enquanto executava a tarefa proposta por Jisung.

Pétalas e botões de narciso manuseados através de seus dedos diminutos. A flor que fizera brotar pela primeira vez há anos atrás nascera imediatamente após suas lágrimas tocarem o solo, tristeza estampada em sua face ao tomar nota da história contada pelo amigo sobre um mortal amaldiçoado a se apaixonar pelo próprio reflexo, a sina trágica lhe legando à morte.

Convertera seu luto em uma homenagem ao ser que soube ter falecido nas águas plácidas do lago cercado pelo bosque em que a divindade floral vivia, um amor fadado à ausência de reciprocidade, a flor passando a se tornar a favorita de Jisung.

Na primeira vez que vira o deus alado, deslumbre lhe acometeu.

Estava caminhando no bosque ensolarado, uma parcela da floresta que circundava a morada de seu pai, quando encontrou dois homens praticando arquearia.

Agachara junto ao tronco de um olmo, o tule de suas vestes espalhando-se ao seu redor como uma nuvem de algodão marfim, enquanto observava com olhos atentos o que parecia ser uma instrução dada pelo homem cuja fronte possuía uma espécie de halo solar lhe coroando.

— Concentre-se na sua respiração quando atirar — ele ditava ao ser alado, pondo-se às suas costas, as mãos tocando com firmeza o braço que sustentava o arco para colocá-lo na posição certa.

Notou como a criatura de asas compostas por penas em um tom tépido de bronze não demonstrava qualquer sinal de desconforto ante à proximidade, havendo toda uma sensação familiar ali.

O anjo disparou a primeira seta e a divindade solar de imediato lhe sorriu, o som de seu riso como uma composição que evocava o aroma almiscarado de roseiras em brasa e sumo de narciso. Hyunggu era como se chamava, Jimin ficara sabendo mais tarde. Ele e o anjo Jisung tornando-se sua companhia mais querida naquela clareira quase inabitada.

Apenas a uns poucos o pai de Jimin concedia que acessassem aquele ponto, mesmo as ninfas e faunos que dali se aproximavam não costumavam lhe dirigir palavra e o deus das Flores era incapaz de conceber o porquê. Contudo, não ousava contestar seu pai, o deus Changbin. Não quando ele parecia considerar tão imperativo que o filho permanecesse sob proteção absoluta.

O deus do Amor e o deus do Sol eram talvez sua única exceção, permitindo que Jimin junto deles permanecesse até depois do instante em que as aves de rapina iniciavam sua canção agourenta.

A divindade floral desconhecia a outra história sobre sua linhagem. Desde que tomara consciência quanto a existir, sua família resumia-se a Changbin, o senhor das Colheitas, e sua irmã Jeongyeon, a dama do Inverno, concebida a partir da relação de seu pai com o deus dos ventos nórdicos.

Em oposição à presença cálida de Hyunggu e ao riso metálico de Jisung, sua irmã era excessivamente fria. Tocar nos cristais de gelo por ela produzidos levava as pontas dos dedos de Jimin a queimarem de imediato.

Cabelos curtos em nuances de azul que variavam do anil profundo ao gelo invernal, riso sóbrio ao canto da boca. Tudo nela insinuando uma calmaria que se supunha gentil quando na verdade Jeongyeon não passava de uma criatura emocionalmente distante que por vezes deixava escapar sua personalidade ferina e impiedosa através de pálidas íris cinzas. O tom de gris oriundo do olhar da irmã acometendo o deus das Flores com uma inigualável sensação opressora.

Então a mudança abrupta de um ambiente ameno cedendo a baforadas glaciais não lhe era estranha. O que lhe perturbou na escuridão que tão de súbito lhe engoliu, consumindo o calor emanando do Sol, foi o modo como ela soava tal qual um carícia orvalhada, ainda que muito mais gélida.

No último segundo, Jimin tentou se agarrar à superfície, suas unhas arranhando a grama de forma agoniada, lacerando, fazendo seus dedos sangrarem. O aperto em seu tornozelo era frio e ele se escutou gritar um instante antes de engolir terra. Sua respiração se arrefecendo, seus olhos se fechando. Lembrava-se apenas de ter visto a irmã no limiar das árvores. Sorrindo.

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