punica granatum

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Meu estado de letargia foi rompido

Por um trovão, de modo que despertei

Como quem à força é acordado.

DANTE ALIGHIERI, Inferno, Canto IV.


Fora desperto por mãos álgidas resvalando em sua face, o fulgir de profundos olhos negros sendo a primeira coisa da qual teve consciência, seguido da sensação fria que de forma estranha lhe proporcionava um conforto inesperado.

Sabia. Do mesmo modo que sempre foi capaz de ouvir a Terra lhe sussurrar antes da mudança de uma estação e os ventos anunciando em murmúrios sobre uma futura tempestade. Aquele conhecimento intrínseco e inerente à sua existência que lhe arrepiava os fios da nuca agora lhe confidenciava estar muito longe de casa, o limitado espaço no qual crescera e lhe era familiar. Apenas sabia.

Seus olhos curiosos tentando perscrutar todo o ambiente em volta, mas falhando ante à visão do homem em sua frente, a figura imponente sobre seu corpo, vestes negras caindo sobre suas próprias roupas em tons claros embora nada além do leve roçar de longos dedos lhe tocasse.

Engoliu em seco, suas mãos agarrando o tecido macio em que repousava, notando ser uma cama coberta por veludo bordô, suave ao toque. Era inevitável apertá-lo entre os dedos, um gesto ansioso ante à inconstância de suas emoções.

— Você sabe quem eu sou? — a voz de um profundo tenor lhe questionou, ao jovem restando apenas negar com a cabeça. Fios claros arrastando em contraste com o desmedido vermelho abaixo de si.

A criatura afastou-se apenas o suficiente para que o deus das Flores fosse capaz de ver o que jazia acima dele, um teto alto do que aparentava ser uma estrutura edificada em mármore negro.

O assustou perceber que a leve carícia do homem em seu rosto agora lhe fazia falta, um formigamento perpassando o local em que antes fora afagado. Não deu mais atenção a esse pensamento quando o estranho lhe ofereceu uma mão e o rapaz de pronto aceitou, apertando sem reservas os dedos que lhe erguiam da cama até pô-lo de pé, sobre suas próprias pernas.

Jimin foi levado até um canto do aposento, parando de frente a um vitral multicolorido que dava vista para o exterior de onde estava. Havia uma espécie de mosaicismo naquela estrutura, cada cor de vidro dando uma visão diferente, como se fosse um prisma que ampliasse a paisagem com filtros diversos.

Lá fora não se parecia em nada com qualquer outra coisa que o deus das Flores já tivesse posto os olhos.

Era uma terra vasta ao ponto de não ser capaz de enxergar o horizonte, bruma escura demarcando o limite de sua visão. O que deveria ser o céu, se focasse bem através de um dos mosaicos, não possuía uma cor definida, algo perdido entre um profundo azul e um interminável preto embora com cintilantes pontos mais claros que traziam a sensação ilusória de serem estrelas. Não eram.

— Mais importante do que saber quem eu sou nesse momento, é saber onde estás — a figura ao seu lado lhe sussurrou no ouvido, voz sedutora e baixa, numa carícia melodiosa. — Este é o seu novo lar.

Não havia hesitação em sua fala. Apenas a convicção de uma sentença proferida com êxito. O jovem de súbito se virou para encará-lo, tentando buscar em sua face bela em demasia o significado por trás daquelas palavras. Tudo o que encontrou fora uma orgulhosa presunção. O ato calculado de um conquistador.

O homem se moveu um pouco, pegando na superfície de uma mesa um cálice de cristal. Líquido escarlate avolumando-se até o topo.

Trouxe a taça até sua frente. O deus das Flores olhou para o conteúdo nela, outra vez com o conhecimento resoluto de que aquilo não tratava-se meramente de licor. Embora não soubesse bem o que lhe fora adicionado.

Era o deus das Flores, mas também dos Frutos. Ligado à Terra de tal maneira que não era necessário pensar ou analisar demais a fim de identificar qualquer coisa advinda dela, seria capaz de sentir se aquilo fosse somente algo derivado da fusão de ervas e frutas.

Um segundo olhar para a taça antes de subi-lo ao homem que a segurava. Profundos orbes que pareciam desnudar sua alma em ônix. Jimin sentiu-se por um momento sem fôlego.

— O que é isso? — sua voz soou dolorosamente rouca, temerosa quanto à consequência daquela indagação.

A mão que não amparava a taça subiu até seu braço, um aperto leve, quase que trazendo conforto, antes de virá-lo de súbito para encarar novamente a estrutura multicolorida que lhe fornecia vislumbres do mundo lá fora. Organza e tule farfalhando em um assobio.

Os dedos não firmaram-se em seu braço, ao invés disso continuaram subindo, de forma calma, moderada, antes de insidiosamente deterem-se sobre sua garganta, logo abaixo do seu queixo, o prendendo ali.

O sentia tão próximo a si, imediatamente às suas costas. Uma fragrância amadeirada de sândalo agrupado em emulsão de ópio e tempestade violenta oriunda do homem que lhe tocava com a dominância de quem toma algo que sabe pertencer a si.

— Isso... — abaixou-se para sussurrar mais perto ainda de sua pele, hálito fresco e glacial infligindo-lhe arrepios por todo o corpo — É seu presente de boas-vindas.

Ditou ao prendê-lo contra seu corpo, tão firme e ainda assim tão confortável. Forçou a mão empunhando o cálice para colocá-lo contra os volumosos lábios da criança, dedos sobre o queixo segurando com força, lhe obrigando a tragar até o último gole.

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