"Portanto, é em prol de ti que intento
Levar-te comigo, e serei teu guia,
E te levarei daqui ao local eterno."
DANTE ALIGHIERI, Inferno, Canto I.
— Quanto da bebida você ministrou? — o deus dos Sonhos, Jaebeom, lhe perguntou. Estava ali, parado de pé próximo à porta agora que já tinha terminado de fazer sua observação detalhada quanto ao estado inconsciente de Jimin.
Em seu terno alvo, de corte simples, a divindade dos devaneios era quase perturbadora. Fios cor de breu empurrados para trás já quase lhe chegavam aos ombros, um ou outro lhe caindo pelo rosto no qual argolas prateadas se prendiam ao lábio inferior e ao canto do nariz. Brincos pendendo, encaixados nas orelhas desde a região da helix até seu lóbulo. Um par de diminutas pecinhas de aço colocadas logo abaixo do olho esquerdo. Asas de plumagem branca às costas. Suas vestes comumente monocromáticas, em negro ou neve; usando apenas a pedido de seu futuro consorte tons de bordô e carmesim.
Os modos de Jaebeom denotavam a pressa que ele tinha em ir logo embora. Gestos calculados, precisos. Cada uma das ações era feita com diligência para que não precisasse voltar a repeti-la e se demorar ainda mais ali.
Jungkook agora o compreendia.
Ao rei dos Mortos não agradava a ideia de deixar aqueles aposentos enquanto Jimin ainda estivesse dormindo e sabia que o noivo de Jaebeom permanecia longos períodos desacordado.
— Julguei que o cálice com meu sangue pudesse ser repudiado pela vida em seu corpo e não quis lhe dar depois mais que uma dose do leite de papoula preparado por Hyunjin.
Jaebeom concordou com um meneio. Hyunjin, seu noivo, era a divindade que inflingia sonolência e a bebida que preparara poderia deixar a criança em um estado de letargia absoluta por mais tempo que o aconselhado se ministrada sem parcimônia.
— Eu e Hyunjin interviremos em seu descanso para assegurar que seja tranquilo. Conjurarei sonhos amenos que lhe darão um vislumbre agradável da parcela do Submundo que melhor se adeque ao poder dele.
— Obrigado, Jaebeom — agradeceu, despedindo-se dele com um aceno
O deus dos sonhos se deteve mais um instante antes de retirar-se dali e voltar para seu palácio, no qual o noivo repousava.
— Se aceita a sugestão de um amigo, converse com ele, lhe acaricie de leve — instruiu. — Isso sempre acalma meu noivo.
Hyunjin, a criatura alada composta em nuances de ouro como se beijada pelo Sol, raramente era vista fora das dependências de sua morada nos Campos da Noite Eterna, terreno margeado pelo rio Lete.
Embora dos filhos do deus da Noite Jungkook tivesse mais proximidade com Junhee, o gêmeo prateado — a perfeita antítese lunar de Hyunjin —, apreciava o incessante trabalho executado pelo futuro consorte de Jaebeom durante seu sono, quando exercia influência sobre o repouso e as inquietações dos que ainda viviam. Por isso, o deus do Torpor comumente era encontrado em um estado de inconsciência em seus aposentos, sendo guardado pelo noivo.
Uma vez que o deus dos Sonhos comandava a dimensão idílica que era acessada apenas por aqueles que dormiam, Jaebeom e Hyunjin convertiam-se num perfeito encaixe antes mesmo de terem consciência da extensão de seus poderes ao somarem-se.
Optando por dar ouvidos aos conselhos dados pela divindade dos devaneios, Jungkook aproximou-se da cama onde jazia em repouso o jovem Jimin, lábios inchados ainda rubros pela bebida que lhe dera.
O rei dos Mortos sentou ao seu lado, tomando cuidado para que seus trajes negros não ficassem no caminho enquanto com uma delicadeza que não lhe era costumaz, acariciava os suaves fios loiros do menino.
Os efeitos do sangue ministrado no licor sobre o corpo do deus das Flores já era sentido por seu tio. Antevia que seria necessário continuar dando mais doses do elixir à criança, mas o objetivo inicial já fora alcançado.
Agora, mesmo ainda em posse de sua vivacidade, Jimin já era uma criatura pertencente ao Submundo. Como todas aquelas que do sangue do Senhor dos Mortos tragavam.
Sorriu ante à ideia de um fluido advindo do seu corpo deflagrando o sobrinho a partir das entranhas, infectando seu delicado sistema venoso.
Pelo que escutara, seu irmão Changbin, o deus da Colheita, não permitia que a criança fosse vista nem mesmo pelo outro pai, ainda que Minho fosse o rei dos Vivos e o senhor de tudo sobre a superfície.
Deveria talvez ter perturbado Jungkook que Minho, seu outro irmão, aceitasse tais imposições quando era tão próprio dele ser aquele que fazia exigências, mas ao ouvir sobre o trancafiamento da criança não sentiu qualquer interesse.
Nada no outro mundo lhe era mais do que apenas incômodo e por isso tão pouco participava do convívio familiar. Encontrara Jimin apenas porque Minho tinha manifestado tanta gravidade ao embeber o pergaminho em fogo sagrado. O sobrinho significando um longo desvio de seu caminho.
Trataria das urgências de seu irmão em outro momento, contudo.
Àquela altura, talvez tanto Minho quanto Changbin já soubessem que estava em posse da criança floral e não pretendia ir ter com qualquer um deles sem estar pronto para o irromper de uma guerra.
Jimin ressonou.
Jungkook quis beijá-lo.
Mas nada fez. Não agora.
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Dialosia | jjk + pjm
FanfictionA perversa divindade da beleza atou em eterna agonia O rei dos Mortos e o deus das Flores. E usou para isso um fio infectado de sangue. Coautoria com @rosier_blue Mitologia! au | + 18
